Jornal de Notícias

30 anos de música deitada no divã

1985-2015 Análise a 500 mil canções conclui que música está mais triste. JN foi ouvir músicos

- Filipa Silva cultura@jn.pt

A música pop deprimiu, perdeu brilho e ficou mais triste. A conclusão é de um estudo britânico que analisou 500 mil canções lançadas no Reino Unido entre 1985 e 2015.

A análise, que se baseou em aspetos melódicos, concluiu outras coisas. Por exemplo, que são as canções mais felizes e dançáveis têm mais sucesso mas constituem uma minoria, uma vez que, por ano, menos de 4% chega aos tops. Assim, a conclusão vai neste sentido: apesar de o público preferir música bem disposta, todos os anos é lançada mais música triste no mercado.

Colocar 30 anos de música num divã não é fácil. A verdade é que, para quase todos, pensar em “música + tristeza” é abrir a memória na página dos “anos 90”. O grunge, como o coloca o escritor e crítico Pedro Mexia, foi uma “espécie de epidemia de tristeza” que marcou a década e uma geração. Os Nirvana serão cabeças desse cartaz, mas também os Pearl Jam, The Smashing Pumpkins, Soundgarde­n... a lista seria intermináv­el.

MÚSICA À FLOR DA PELE

Aos anos 80, a viagem é eventualme­nte mais feliz, mas também pode enganar. “A chamada new wave”, recorda Rui Reininho, “tem acordes positivos”, mas as músicas são só “aparenteme­nte mais felizes”. Mexia concretiza: “As canções dos Pulp podem parecer muito dançáveis e felizes e, no entanto, a gente ouve a letra e aquilo é tudo horrível”. O glamour, a dança e os penteados impossívei­s fizeram os anos 80. Os 90 foram mais depressivo­s – até por reação. E o novo século?

Alguns géneros fizeram-se mais mainstream: o hip hop, o R&B, o indie rock. O mercado engordou e tornou-se mais permeável. E talvez isso ajude a entender o aumento da música triste. A via rápida do quarto para a internet reforçou as canções “mais à flor da pele”.

“O mercado está diferente, há mais gente a mostrar a sua música ao Mundo antes do tempo de maturação habitual”, ensaia Manuel Cruz. Reininho não arrisca que a pop tenha entristeci­do, mas está convencido de que é mais limitada. “Acho-a burra e é um animal que respeito imenso”, comenta o vocalista dos GNR.

A TRISTEZA É IMPORTANTE

Márcio Laranjeira, da “Lovers & Lollypops”, admite que há “melancolia” em algumas propostas que a editora trabalha, mas também há “coisas alegres e despreocup­adas”. Há um aspeto do estudo com que o editor concorda: a música de sucesso perdeu agressivid­ade.

“Continua a haver movimentos extremos mas a música que chega a mais gente é mais soft, não aleija”, observa.

Carlos Tê não se surpreende com a quebra emocional. Na opinião do letrista, depois de uma fase em que a canção esteve intimament­e ligada a causas de libertação nos anos 60 e 70, “perdeu poder”. Esgotada essa força, “passa a debruçar-se sobre si própria numa espécie de autocontem­plação, de esteticism­o”. Explica: “A canção deixou de ser a coroa da cultura pop. Agora, é só mais uma coisa”, diz.

Todos concordam que a música é a forma artística a que nos ligamos mais emocionalm­ente. E, diz Reininho, com níveis de “euforia” às vezes “tão tonta”. “Se calhar, a música é uma droga que se toma para se ficar mais triste, porque a tristeza é muito importante”.

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2 1. Kurt Cobain, dos Nirvana; 2. Rapper Jay-Z; 3. Jarvis Cocker, dos Pulp
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