A feminina trindade da ilustração portuense
Três ilustradoras fizeram da Invicta a sua cidade de eleição para trabalhar e tornaram-se casos de sucesso
Amor, família e religião são algumas das temáticas que abordam nos seus trabalhos
O Porto tem uma nova geração de ilustradoras, todas jovens mulheres que, não sendo naturais da cidade, encontraram nela o sítio ideal para trabalhar. Nas ruas é fácil encontrar os seus trabalhos, alguns espontâneos, outros encomendados. O des(amor) com humor é um tema comum às três artistas.
“Eu sou de Leiria e cheguei ao Porto numa época em que a cidade estava de portas abertas para quem quisesse trabalhar em ilustração. Foi a altura certa”, conta Mariana, a Miserável ao JN. Em 2010, “o mercado editorial estava saturado e não permitia que se vivesse da ilustração”, lembra. Procurou uma alternativa e começou a fazer ilustrações para galerias. A Dama Aflita, na Invicta, foi o primeiro espaço que a acolheu. O momento que vive agora, admite, é surpreendentemente bom, mas isso não lhe tira a miserabilidade esperançosa em que gosta de mergulhar. “O Porto tem essa dicotomia da tragicomédia”, comenta a artista, que vive rodeada de memórias ligadas ao ballet – sapatilhas de pontas ou quadros de bailarinas. Dá aulas em Lisboa, no Porto e em Madrid.
TROCOU DUBLIN PELO PORTO
Berriblue é uma artista meio polaca, meio irlandesa, que há dois anos trocou, com o marido, Dublin pelo Porto. Antes passaram quatro meses na aldeia da Benfeita, “onde quase enlou-
quecíamos com tanto silêncio”, contou.
O Porto significou o renascimento da artista sob o nome de Berriblue, “porque fui concebida num campo de mirtilos [‘Blueberries’, em inglês)”.
Em Dublin, o nome era JTB e tinha um trabalho bastante mais negro. “O Porto trouxe uma nova fase à minha vida, bastante mais explosiva e colorida”, tanto que nas ruas da cidade podemos encontrar muitas ilustrações suas, algumas de caráter erótico.
“Graças a isso, muito gente pensa que sou um homem. As coisas que eu poderia fazer se fosse um homem de meia-idade!”, diz, entre risos.
Mas até nisso diz que o Porto a fez transformar-se. “Os portugueses têm uma atitude muita madura e inteligente perante o sexo. Em Dublin, se eu desenhasse uma mulher nua, pintavam-lhe um biquíni por cima”, relata. Atribui tudo ao legado católico, que também a influenciou. Estudou num colégio religioso, onde as raparigas e os rapazes eram separados. E, como estudante de Arte, também conhece e gosta do lado mais clássico, do simbolismo e dos ícones medievais. Reconhece não gostar especialmente de trabalhos de merchandising, mas lançou duas coleções de lenços com desenhos próprios, influenciada pelo avô, que viveu na Índia.
OS CADERNOS DE CLARA NÃO
Clara Não – escolheu o nome para fintar Silva, um apelido comum – é a mais jovem das três.
Os seus trabalhos distinguem-se facilmente pelo metatexto e o detonador da sua carreira foi um desgosto amoroso, que a levou ao preenchimento de seis caderninhos, escritos numa letra perfeita e num traço preciso. Daí, evoluíram para uma fanzine. Depois, chegou o reconhecimento via Instagram. O primeiro amor foi-se, ficou a amizade, mas outros episódios se seguiram.
“Primeiro penso sempre no texto, a escrita vive sozinha e depois a ilustração complementa”, explica a artista, que tem também projetos performativos.