Jornal de Notícias

A caixa no caminho das pedras

-

Como registo prévio de interesses devo dizer que nasci e cresci no Porto, cidade que também tive o privilégio de poder escolher para viver. Mas sobretudo pelo trabalho profission­al que desenvolvi nas últimas dezenas de anos, tenho em mim há muito enraizado uma forte convicção da importânci­a do desenvolvi­mento global integrado do território, como um dos mais importante­s desígnios nacionais. Há mais de 30 anos que sou profission­al da Universida­de do Porto, colaborei com honra com a Universida­de Católica e com a Universida­de do Minho, da mesma forma que aceitei agora o desafio de lide- rar a área da investigaç­ão e inovação da Universida­de de Trás-os-Montes. Cada projeto é sempre o mais importante, em nome do desenvolvi­mento coletivo e solidário da região e do país.

Por isso estou cada vez menos crente nas múltiplas e sucessivas ações públicas a favor do desenvolvi­mento do interior, por vezes designado de baixa densidade, conceito cada vez mais abstrato e de difícil concretiza­ção, que nos faz lembrar a máxima de Frei Tomás. Por maior que seja a minha admiração e respeito pela seriedade de muitas pessoas que se têm envolvido em algumas destas ações, passado o momento da mediatizaç­ão tudo volta ao normal, ou seja, a uma lógica cega e surda de um modelo economicis­ta, que paradoxalm­ente nos vai aniquiland­o à medida que o seu sucesso aumenta. Se o objetivo único da gestão dos CTT passa pela remuneraçã­o acionista, então no limite podemos continuar a reduzir o peso de toda e qualquer estrutura que belisque essa obsessão. O mesmo acontecerá a postos da GNR, esquadras da PSP, tribunais, unidades de saúde local, etc., se aqui substituir­mos o lucro pela poupança de meios, tudo em nome do aumento da eficiência logística.

Por isso voltei a ficar chocado com o cenário de revolta da população de Pedras Salgadas no dia do encerramen­to do balcão da Caixa Geral de Depósitos nesta vila transmonta­na. Segurament­e para poupar o equivalent­e ao custo de menos de uma semana de gastos gerais no “Palácio de Ceausescu” da sede na capital. Perante um silêncio ensurdeced­or, do qual senti vergonha, porque é sempre mais fácil aconchegar a desgraça do que dar a cara a contrariar estes disparates, que são muitas das vezes a ignição invisível dos acidentes futuros.

 ?? POR ?? Emídio Gomes Prof. catedrátic­o, vice-reitor da UTAD
POR Emídio Gomes Prof. catedrátic­o, vice-reitor da UTAD

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal