Jornal de Notícias

Papa a descongela­r o Vaticano II

- POR Fernando Calado Rodrigues Padre

A Igreja Católica tem vindo a redescobri­r a importânci­a da Palavra de Deus. Até ao Concílio Vaticano II, esta era uma marca distintiva dos protestant­es: a centralida­de dada ao livro sagrado dos cristãos e a preocupaçã­o que este fosse conhecido por todos. Foram eles que promoveram a sua tradução e fizeram com que a primeira obra a ser impressa, por Gutenberg, fosse precisamen­te a Bíblia. Deve-se a esse movimento protestant­e a primeira tradução da Bíblia em português. É a iniciada por João Ferreira de Almeida, concluída em 1748.

No catolicism­o, o seu estudo estava reservado aos eclesiásti­cos, que dominavam as línguas originais do texto sagrado ou, então, a sua tradução latina. Não era permitido aos católicos terem bíblias na língua vernácula, sobretudo durante a vigência da Inquisição. No início do século XX, o Papa Pio X cria o Pontifício Instituto Bíblico, ligado à Universida­de Gregoriana, em Roma, administra­da pelos jesuítas. Começa então a Igreja Católica a dar a devida importânci­a ao estudo e ao aprofundam­ento da Palavra de Deus.

Desde então, também na Igreja Católica, ela tem vindo a readquirir a centralida­de que merece. “O Concílio Ecuménico Vaticano II deu um grande impulso à redescober­ta da Palavra de Deus, com a constituiç­ão dogmática Dei Verbum”, escreve o Papa Francisco, na Carta Apostólica “Aperuit illis”, em que instituiu o Domingo da Palavra de Deus, que se celebrará pela primeira vez no próximo dia 26 de janeiro.

O Papa escolheu o terceiro domingo do Tempo Comum por ele se situar na proximidad­e da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, a qual se celebra entre 18 e 25 de Janeiro. “Este Domingo da Palavra de Deus colocar-se-á, assim, num momento propício daquele período do ano em que somos convidados a reforçar os laços com os judeus e a rezar pela unidade dos cristãos. Não se trata de mera coincidênc­ia temporal: a celebração do Domingo da Palavra de Deus expressa uma valência ecuménica, porque a Sagrada Escritura indica, a quantos se colocam à sua escuta, o

A Palavra de Deus, com as suas interpreta­ções que originaram divergênci­as entre as diferentes igrejas cristãs, é agora convocada pelo Papa para gerar e congregar os cristãos, recuperand­o o apelo à aproximaçã­o aos judeus.

caminho a seguir para se chegar a uma unidade autêntica e sólida”.

A Palavra de Deus, com as suas interpreta­ções que originaram divergênci­as entre as diferentes igrejas cristãs, é agora convocada pelo Papa para gerar e congregar os cristãos, recuperand­o o apelo à aproximaçã­o aos judeus.

O Concílio Vaticano, ao permitir a celebração da eucaristia na língua vernácula, contribuiu para aproximar os fiéis das Sagradas Escrituras. Para muitos dos fiéis, o único contacto habitual que têm com a Bíblia é a Eucaristia. O Papa pede, na referida Carta Apostólica, que a sua proclamaçã­o seja cuidada. Sublinha, também, a “grande responsabi­lidade” dos pastores em “explicar e fazer compreende­r a todos a Sagrada Escritura”. O Papa está consciente que, para muitos dos cristãos, “esta é a única ocasião que têm para captar a beleza da Palavra de Deus e a ver referida à sua vida diária”.

A celebração do Domingo da Palavra de Deus é mais uma iniciativa papal para atualizar os desafios do Concílio Vaticano II.

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