Papa a descongelar o Vaticano II
A Igreja Católica tem vindo a redescobrir a importância da Palavra de Deus. Até ao Concílio Vaticano II, esta era uma marca distintiva dos protestantes: a centralidade dada ao livro sagrado dos cristãos e a preocupação que este fosse conhecido por todos. Foram eles que promoveram a sua tradução e fizeram com que a primeira obra a ser impressa, por Gutenberg, fosse precisamente a Bíblia. Deve-se a esse movimento protestante a primeira tradução da Bíblia em português. É a iniciada por João Ferreira de Almeida, concluída em 1748.
No catolicismo, o seu estudo estava reservado aos eclesiásticos, que dominavam as línguas originais do texto sagrado ou, então, a sua tradução latina. Não era permitido aos católicos terem bíblias na língua vernácula, sobretudo durante a vigência da Inquisição. No início do século XX, o Papa Pio X cria o Pontifício Instituto Bíblico, ligado à Universidade Gregoriana, em Roma, administrada pelos jesuítas. Começa então a Igreja Católica a dar a devida importância ao estudo e ao aprofundamento da Palavra de Deus.
Desde então, também na Igreja Católica, ela tem vindo a readquirir a centralidade que merece. “O Concílio Ecuménico Vaticano II deu um grande impulso à redescoberta da Palavra de Deus, com a constituição dogmática Dei Verbum”, escreve o Papa Francisco, na Carta Apostólica “Aperuit illis”, em que instituiu o Domingo da Palavra de Deus, que se celebrará pela primeira vez no próximo dia 26 de janeiro.
O Papa escolheu o terceiro domingo do Tempo Comum por ele se situar na proximidade da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, a qual se celebra entre 18 e 25 de Janeiro. “Este Domingo da Palavra de Deus colocar-se-á, assim, num momento propício daquele período do ano em que somos convidados a reforçar os laços com os judeus e a rezar pela unidade dos cristãos. Não se trata de mera coincidência temporal: a celebração do Domingo da Palavra de Deus expressa uma valência ecuménica, porque a Sagrada Escritura indica, a quantos se colocam à sua escuta, o
A Palavra de Deus, com as suas interpretações que originaram divergências entre as diferentes igrejas cristãs, é agora convocada pelo Papa para gerar e congregar os cristãos, recuperando o apelo à aproximação aos judeus.
caminho a seguir para se chegar a uma unidade autêntica e sólida”.
A Palavra de Deus, com as suas interpretações que originaram divergências entre as diferentes igrejas cristãs, é agora convocada pelo Papa para gerar e congregar os cristãos, recuperando o apelo à aproximação aos judeus.
O Concílio Vaticano, ao permitir a celebração da eucaristia na língua vernácula, contribuiu para aproximar os fiéis das Sagradas Escrituras. Para muitos dos fiéis, o único contacto habitual que têm com a Bíblia é a Eucaristia. O Papa pede, na referida Carta Apostólica, que a sua proclamação seja cuidada. Sublinha, também, a “grande responsabilidade” dos pastores em “explicar e fazer compreender a todos a Sagrada Escritura”. O Papa está consciente que, para muitos dos cristãos, “esta é a única ocasião que têm para captar a beleza da Palavra de Deus e a ver referida à sua vida diária”.
A celebração do Domingo da Palavra de Deus é mais uma iniciativa papal para atualizar os desafios do Concílio Vaticano II.