“Questão do nuclear da Coreia do Norte é problema-chave”
Song Oh Embaixador da Coreia do Sul em Portugal
“Coreia do Sul e Japão têm memórias tristes sobre as ‘mulheres de conforto’”
A distância geográfica é demasiada, mas, historicamente, o primeiro ocidental a chegar à Coreia do Sul foi um português, em 1577. A ligação entre Lisboa e Seul parece quase natural e, neste ano, os dois países celebram 60 anos de relações diplomáticas. Em entrevista ao JN, o embaixador sul-coreano, Song Oh, falou dos laços que ligam as duas nações, mas também sobre várias temáticas que têm marcado a política internacional nos últimos anos.
Portugal e a Coreia do Sul celebram um marco importante. Como descreve a relação entre os dois países?
Celebrar este aniversário é celebrar a boa relação entre os dois países. O plano é envolver a diplomacia, para que ambos os povos se sintam mais próximos. A Coreia do Sul e Portugal mantêm uma relação amigável e de cooperação fundamentada pelas bases de uma democracia liberal. Sabemos que os países estão geograficamente muito distantes e, para superar essa barreira, criamos várias iniciativas para dinamizar a cultura sul-coreana em Portugal [ler caixa].
A China é um dos países que determinam a geopolítica na Ásia. Considera que as tensões entre os Estados Unidos e Pequim podem
ter impacto na Coreia do Sul?
A Coreia do Sul e os EUA são grandes aliados. Porém, a Península da Coreia tem muito interesse geográfico para a China. Especialmente, a Coreia do Norte, da qual a China é muito próxima. Assim, o Governo sul-coreano precisa, por vezes, de alguma ajuda da China para lidar com a questão nuclear de Pyongyang, porque achamos que o Executivo chinês tem alguma influência sobre a liderança de Kim Jong-un. Tradicionalmente, conseguimos manter boas relações de trabalho com os dois países, mesmo quando há algum tipo de confronto entre os EUA e a China.
A Coreia do Sul tem preocupações em relação à posição da China em termos globais?
O Governo da China quer manter a influência na Ásia, mas o de Joe Biden [presidente dos EUA] quer garantir a supremacia contra a influência da China. Neste momento, temos algumas preocupações relativamente às questões de segurança e da navegação livre. Todavia, queremos manter as boas relações de trabalho e achamos que o Executivo chinês também está interessado em mantê-las.
A Coreia do Sul e o Japão têm vivido um longo processo para sanar as feridas da II Guerra Mundial...
A Coreia do Sul e o Japão têm uma história muito trágica nos tempos modernos e muitos sul-coreanos ainda têm memórias vívidas dessa triste história. No caso das “mulheres de conforto” [às quais o Japão deveria pagar indemnizações por terem sido escravizadas sexualmente durante a II Guerra Mundial], achamos que esta deve ser uma questão resolvida diplomaticamente e não pelos tribunais, devido à sua sensibilidade. Outra questão com a qual temos tido dificuldade em lidar, e sobre a qual já mostramos preocupação, é com a decisão do Japão em libertar água da central nuclear de Fukushima no mar.
O sistema político do Governo de Kim Jong-un é muito volátil. Como é que a Coreia do Sul lida com essa instabilidade?
A existência da Coreia do Norte é muito delicada para os sul-coreanos porque, constitucionalmente, somos o único país legal da Península Coreana. Mas, politicamente, a região da Coreia do Norte existe e a prioridade número um é garantir a estabilidade na península.
Tecnicamente falando, as Coreias continuam em guerra, mas, na realidade, ela já não existe. Não esperamos hostilidades ou qualquer conflito, mas queremos garantir um sistema de segurança permanente. Por isso mesmo, a questão do nuclear da Coreia do Norte é um problema-chave a ser resolvido.
Um dos aspetos que mais incomodam a Coreia do Norte são os exercícios militares sul-coreanos com os EUA. Há planos para terminar com eles?
Esta é uma questão muito delicada, porque os exercícios militares entre a Coreia do Sul e os Estados Unidos são defensivos, não ofensivos. Sempre que os fazemos, informamos as autoridades norte-coreanas sobre o plano. Acreditamos que este tipo de exercício é muito natural e precisamos de o levar a cabo regularmente para manter as Forças Armadas “alerta”.
Ver a Coreia do Norte tornar-se uma democracia é uma ideia utópica?
O regime da Coreia do Norte está, neste momento, na terceira geração. A liderança norte-coreana é muito imprevisível e o regime já sobreviveu a algumas tentativas de mudança. Por isso, não podemos prever o que vai acontecer. Mas não se prevê nenhuma mudança artificial.
“Donald Trump era muito caprichoso. Não tinha sabedoria profissional ou convencional para lidar com os problemas”
Joe Biden quer adotar uma abordagem diplomática mais “realista” para a Coreia do Norte.
A abordagem arrogante de Donald Trump [ex-presidente norte-americano] não foi eficaz com a Coreia do Norte porque a personalidade dele não era sólida. Era muito caprichoso, tinha um estilo de jogador individualista. Não tinha sabedoria profissional ou convencional para lidar com os problemas. Já a atual Administração, liderada por Biden, é o oposto. É equilibrada e de abordagem prática. Acho que devemos esperar pela resposta da Coreia do Norte, que ouviu, há poucos dias, Biden anunciar as suas políticas para aquele país.
Quais são as principais preocupações em relação ao regime de Kim Jong-un?
Uma das questões-chave para nós são os direitos humanos, porque, neste momento, eles são uma sociedade muito isolada. Nenhuma notícia sai de lá e ninguém sabe nada sobre o estado da pandemia no país, por exemplo. Ninguém sabe quantos casos têm, quantas mortes ou sequer se se prepararam para as vacinas. Portanto, temos quatro questões: a nuclear, a militar, os direitos humanos e a possibilidade de colapso do regime norte-coreano. A estratégia do nosso Governo é abordar estes problemas de forma mais abrangente.