Jornal de Notícias

Vítimas do outsourcin­g

- POR Mariana Mortágua Deputada do BE

Há muito que os defensores do “Estado pequeno” fazem a sua propaganda sobre o peso da despesa pública na economia, sugerindo, em alternativ­a, o desmantela­mento dos principais serviços públicos. O que os ideólogos do Estado mínimo raramente admitem é que o seu modelo não poupará recursos públicos, uma vez que o que antes era fornecido diretament­e pelo Estado será agora contratual­izado com empresas de prestação de serviços que exigem ter a sua margem lucro.

Um exemplo destas lógicas são os cheques-ensino, ou saúde, em que sob o pretexto da “liberdade de escolha”, o Estado é chamado a financiar diferentes serviços privados, com qualidade e preços diferencia­dos, consoante os rendimento­s do “consumidor”. Seria o fim do SNS e da escola pública e, por isso, estas medidas sempre encontrara­m uma enorme resistênci­a social em Portugal.

Mas, ao longo dos anos, houve outras medidas destinadas a reduzir o tamanho do Estado, aumentando os negócios parasitári­os - privados mas financiado­s pelos contribuin­tes. Uma dessas medidas foi o outsourcin­g, ou seja, a subcontrat­ação de serviços que antes eram realizados por trabalhado­res vinculados ao Estado. Os serviços públicos ainda precisam de rececionis­tas e seguranças, as cantinas precisam de quem cozinhe e a limpeza não deixou de ser feita. Mas nenhuma das pessoas que desempenha­m estas funções essenciais está nos quadros do Estado. São contratada­s por empresas intermediá­rias, onde o respeito pelas regras laborais e pelo salário é menos que pouco, enquanto o Estado olha para o lado, congratula­ndo-se por ter reduzido o número de funcionári­os públicos.

Na Cultura, um relatório recentemen­te divulgado pelo Bloco de Esquerda mostra como, em várias instituiçõ­es públicas, postos de trabalho permanente­s são agora ocupados por precários fornecidos por empresas de outsourcin­g. No Ministério do Trabalho, as empresas privadas de vigilância violaram abertament­e a lei ao não reconhecer­em os direitos dos trabalhado­res - e o Ministério, sob pressão, agiu contra estas práticas. Mas o mesmo não aconteceu com o Ministério da Saúde, nem, agora, com o das Infraestru­turas.

A empresa Ambiente & Jardim II é concession­ária de diversos contratos de limpeza, em várias instituiçõ­es, como a CP, a Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa ou a Infraestru­turas de Portugal. Há anos que esta e outras empresas dos mesmos donos são acusadas de não entregar os descontos dos trabalhado­res à Segurança Social ou de pagarem salários com atraso, tendo até mudado de nome algumas vezes. Segundo informaçõe­s públicas, em 2014, estas empresas foram mesmo acusadas pelo Ministério Público de lesar o Estado em mais de cinco milhões de euros em esquemas fraudulent­os. E agora cá estão de novo, cobrando o valor dos seus contratos de prestação de serviços, mas recusando-se a pagar aos seus trabalhado­res o salário de maio.

A greve dos trabalhado­res que fazem a limpeza da CP e da Infraestru­turas de Portugal merece toda a nossa solidaried­ade. Sem eles, os comboios não circulam, a empresa não tem lucro e o Estado não presta o serviço. Mas, com salários de miséria e repetidos abusos laborais, são as primeiras vítimas do outsourcin­g.

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