Vítimas do outsourcing
Há muito que os defensores do “Estado pequeno” fazem a sua propaganda sobre o peso da despesa pública na economia, sugerindo, em alternativa, o desmantelamento dos principais serviços públicos. O que os ideólogos do Estado mínimo raramente admitem é que o seu modelo não poupará recursos públicos, uma vez que o que antes era fornecido diretamente pelo Estado será agora contratualizado com empresas de prestação de serviços que exigem ter a sua margem lucro.
Um exemplo destas lógicas são os cheques-ensino, ou saúde, em que sob o pretexto da “liberdade de escolha”, o Estado é chamado a financiar diferentes serviços privados, com qualidade e preços diferenciados, consoante os rendimentos do “consumidor”. Seria o fim do SNS e da escola pública e, por isso, estas medidas sempre encontraram uma enorme resistência social em Portugal.
Mas, ao longo dos anos, houve outras medidas destinadas a reduzir o tamanho do Estado, aumentando os negócios parasitários - privados mas financiados pelos contribuintes. Uma dessas medidas foi o outsourcing, ou seja, a subcontratação de serviços que antes eram realizados por trabalhadores vinculados ao Estado. Os serviços públicos ainda precisam de rececionistas e seguranças, as cantinas precisam de quem cozinhe e a limpeza não deixou de ser feita. Mas nenhuma das pessoas que desempenham estas funções essenciais está nos quadros do Estado. São contratadas por empresas intermediárias, onde o respeito pelas regras laborais e pelo salário é menos que pouco, enquanto o Estado olha para o lado, congratulando-se por ter reduzido o número de funcionários públicos.
Na Cultura, um relatório recentemente divulgado pelo Bloco de Esquerda mostra como, em várias instituições públicas, postos de trabalho permanentes são agora ocupados por precários fornecidos por empresas de outsourcing. No Ministério do Trabalho, as empresas privadas de vigilância violaram abertamente a lei ao não reconhecerem os direitos dos trabalhadores - e o Ministério, sob pressão, agiu contra estas práticas. Mas o mesmo não aconteceu com o Ministério da Saúde, nem, agora, com o das Infraestruturas.
A empresa Ambiente & Jardim II é concessionária de diversos contratos de limpeza, em várias instituições, como a CP, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ou a Infraestruturas de Portugal. Há anos que esta e outras empresas dos mesmos donos são acusadas de não entregar os descontos dos trabalhadores à Segurança Social ou de pagarem salários com atraso, tendo até mudado de nome algumas vezes. Segundo informações públicas, em 2014, estas empresas foram mesmo acusadas pelo Ministério Público de lesar o Estado em mais de cinco milhões de euros em esquemas fraudulentos. E agora cá estão de novo, cobrando o valor dos seus contratos de prestação de serviços, mas recusando-se a pagar aos seus trabalhadores o salário de maio.
A greve dos trabalhadores que fazem a limpeza da CP e da Infraestruturas de Portugal merece toda a nossa solidariedade. Sem eles, os comboios não circulam, a empresa não tem lucro e o Estado não presta o serviço. Mas, com salários de miséria e repetidos abusos laborais, são as primeiras vítimas do outsourcing.