“Estar no convento foi uma guerra”
Vítima de castigos e agressões durante nove anos, em Famalicão, conta tudo em tribunal
Uma “noviça” que fugiu do “convento” da Fraternidade Cristo Jovem, em Requião, Famalicão, contou ontem os maus-tratos a que foi sujeita. “Para mim, foi uma guerra”, afirmou ontem perante os magistrados de Guimarães que estão a julgar as religiosas Isabel, Joaquina e Arminda e o padre Joaquim Milheiro, daquela instituição, por crimes de escravidão.
Natacha Ramos entrou na Fraternidade com 15 anos e ali esteve cerca de nove anos. Só depois de fugir, em 2013, é que descobriu que o local não era um convento. “Costumava lá passar as férias e, em agosto de 2004, decidi ficar e ser religiosa. Só descobri que não era freira já cá fora”, contou.
ELETRICISTA AJUDA NA FUGA
Os dias na Fraternidade incluíam muitas horas de trabalho e castigos e agressões frequentes. Foi, aliás, depois de ter levado uma coça de Arminda que decidiu fugir pelo parque de estacionamento. No portão estava o eletricista do “convento”, que a levou a Mirandela, onde residiam os pais.
Antes, por não levar uma saia para o sítio certo, apanhou “até o cabo da esfregona se partir”. “Se me tivesse dado na cabeça tinha-me matado”, garante. Noutra ocasião, por não saber partir um frango, Natacha foi esbofeteada e ficou com um olho pisado. Joaquina “assistiu a tudo, impávida”. E era “proibido chorar”. Relatou outros castigos, como dormir no chão, ficar sem beber, não tomar banho e não usar cuecas ou meias no inverno. E até ser obrigada comer tremoços ao pequeno-almoço, “durante cinco dias”, por se ter esquecido de “lhes mudar a água”.
Dias longos de trabalho, a proibição de contactar a família e de ver televisão, lavar a roupa no tanque com água gelada no inverno e tomar banho em água fria foram outras situações que Natacha descreveu. Mas lembra-se de quando ia “lavar os pés à Arminda, sentada na sua poltrona”, a água era quente. A testemunha também responsabilizou ”o padre, Joaquina e Isabel” que, à frente de terceiros “faziam-se de muito queridas”. “Não saí antes porque tinha medo de ser apanhada e de me baterem, e porque diziam que ia para o inferno. Precisou de apoio psicológico depois de fugir.
Os pais de Natacha fizeram queixa ao arcebispo de Braga, em 2014, e a própria escreveu uma carta e falou com o bispo auxiliar, sem sentir “grande apoio”. “Nunca tive resposta de D. Jorge”, declarou.