Quando a vida se intromete acontece “Life”
Novo álbum de Sean Riley & The Slowriders, o mais eletrónico da banda, é apresentado hoje no Teatro Maria Matos, em Lisboa
A primeira coisa que se pode dizer sobre “Life”, quinto álbum de originais de Sean Riley & The Slowriders, é que é um disco onde “a vida aconteceu”. Porque na distância entre o que estava planeado e aquilo que se obteve intrometeu-se um dedo cortado, uma pandemia e o papel de Makoto Yagyo, músico dos Paus, enquanto produtor. Intrometeu-se a vida, e a banda deixou-a entrar.
Talvez sempre tenha sido assim com o grupo de Coimbra que se estreou com “Farewell”, em 2007, explica o vocalista Afonso Rodrigues: “Raramente seguimos uma linha contínua. A atmosfera dos álbuns muda constantemente, com várias estéticas e dinâmicas. E já tivemos álbuns dominados pela folk, pelas guitarras ou pelos sintetizadores”. Mas nunca como em “Life” houve tão pouca eletricidade e tantos beats. A primeira razão para isso é prosaica, porque nem tudo na vida está às alturas da épica ou da lírica: no dia 1 de janeiro de 2020 Afonso fez um corte profundo no dedo que o impediu de tocar guitarra durante vários meses. Depois veio esse cachalote branco a que chamaram covid-19, que empurrou o lançamento do álbum para calendas mais favoráveis e permitiu à banda continuar a experimentar (sem guitarras).
VASOS COMUNICANTES
Com a direção artística do disco “dramaticamente alterada”, faltava um último elemento para baralhar ainda mais o som inicialmente previsto: os arranjos de Makoto Yagyo, que acrescentaram “desafios e rasteiras” à produção do álbum. Mas significa que esta balbúrdia, onde saltamos de ambientes espaciais e sonhadores que nos lembram Air para a synthpop carregada onde se vislumbram ecos de uns Ultravox, terminando tudo no trilho mais reconhecido da banda, a folk americana, em “Last one”, significa isto que os temas poderiam estar espalhados por diferentes álbuns, ou até por diferentes bandas, como por vezes, de forma estimulante, parece suceder? “Trabalhamos cada tema de forma autónoma, sem barreiras. Depois vemos como funciona, se sentimos que naquela música somos nós. Finalmente, perguntamo-nos se o tema encaixa no disco que estamos a fazer. Se o som vem da mesma época, se há vasos comunicantes, ainda que não sejam óbvios, entra no alinhamento.”
Nem sempre esses vasos comunicantes se prendem com o som, poderão ser apenas temáticos, como no caso de “Last one”, que parece o corpo mais estranho no interior do álbum: “A letra liga-se à história da banda, remete para o Bruno, para a importância de certas pessoas na nossa vida”. Porque a vida não se intrometeu apenas, sob a forma de peripécias, na composição de “Life” – ela é o tema fundamental de todo o álbum. Que reflete sobre o que mudou na banda depois do desaparecimento de Bruno Simões, um dos fundadores do projeto, em 2016, e este é o primeiro trabalho editado sem ele; sobre o que mudou com os filhos, com a passagem do tempo, com a chegada aos 40 anos: “Não é um disco alegre, mas há várias formas de encarar a tristeza: com derrotismo ou com esperança. E aqui procuramos a luminosidade, com a certeza de que só chegaremos à luz se fizermos por isso, é um caminho que depende de nós.”
“Life” é apresentado hoje no Teatro Maria Matos, em Lisboa, e dia 18 no TAGV, em Coimbra.