Jornal de Notícias

Descartada hipótese de crime após perícia às roupas

Na terra invoca-se um milagre, o autarca chama ao menino Tarzan e Johnny nada vai dizer, mas foi ele, que é do Porto, quem o achou. Noah continua em observação hospitalar. Está bem, está ao colo da mãe

- José Miguel Gaspar gaspar@jn.pt

5.30 horas. O pai Leandro, 42 anos, foi o primeiro a acordar e a sair, a casa estava cheia de silêncio. Quando chega ao campo, vê o sol nascer, que aqui nasce pelas 6 horas, e começa a trabalhar.

5.30 - 08 horas. Noah foi o segundo a acordar e a sair a seguir. O menino de dois anos e meio, já andante, já falante, veste-se sozinho e inteiro, calções e camisolinh­a, enfia as pequeninas galochas, a fralda já estava posta, sai porta de casa afora, campo adentro, em direção ao pai. Não o chega a encontrar: desconcert­a-se pelo caminho e continua a caminhar. A cadela Melina, que o segue sempre para todo o lado, seguiu sempre a seu lado.

08 - 09 horas. A mãe Rita, 37 anos, acorda, chama por Noah, Noah não responde, vai logo ao campo a ver, Noah não está. A mãe e o pai chamam pelo seu nome ao vento. Minutos depois chamam pela GNR. Isto passou-se na quarta-feira, o dia do desespero primordial. Aqui é Proença-a-Velha, freguesia agrícola de 200 habitantes do concelho de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, Portugal interior florestal central.

9.30 horas. A GNR alavanca as primeiras buscas, sai para o terreno uma dezena apressada de militares. O corpo de pesquisa crescerá ao longo do dia, há de chegar a mais de uma centena de batedores.

Pelo resto da manhã, começam a organizar-se os primeiros procurador­es civis que saem para os campos por autodeterm­inação. A palavra espalha-se, corre como fogo no capim, há um menino desapareci­do na floresta, há cada vez mais gente a procurar, a avançar montes fora. O nome de Noah, derramado em todo o concelho, o nome dele ecoa, a cara enche os ecrãs de televisão. É um menino de olhos castanhos, olhos vivos, cabelo loiro, a cara linda e clara de um querubim.

18 horas. Cresceu para ocupar todos os espaços da família a desesperaç­ão. A mãe de Noah faz uma publicação no Facebook a abrir o coração. Oferece-se uma recompensa de 500 euros a quem o encontrar. Meia hora depois, a conselho policial, a publicação é retirada do Facebook, mas a rede social já está inundada de apelos, rogos, súplicas, não pára de crescer a invocação.

19 horas. Alarme: a cadela Melina, que nunca largava o menino, é avistada sozinha num campo ermo, já depois do rio Torto, junto a uma vedação, a três quilómetro­s da casa da família. Na vedação havia um buraco, Noah terá passado, Melina não, não cabia, tentou, havia pêlo nos arames do animal que não abandonou a vedação. Ficou a marcar o local da separação até ser encontrada.

20.30 horas. É achada a camisolinh­a do menino, estava uns metros à frente da vedação. A mãe confirmará: é de Noah. O desespero medra, instala-se, cresce a noite, a descrença, a exasperaçã­o. A noite será branca para aqueles pais.

FOI JOHNNY QUE O ACHOU

6 horas de quinta-feira. Avistam-se pegadas frescas da criança e pegadas de cão antes da vedação.

10 horas. Entre militares da GNR, bombeiros, proteção civil municipal, sapadores florestais, voluntário­s civis, mais as equipas cinotécnic­as, drones e mergulhado­res que vistoriam poços e linhas de água, são já centenas as pessoas a procurar.

14 horas. Soa o terceiro alarme e é assustador: aparecem as outras peças de roupa de Noah: os calções, a fralda, uma galocha enlameada tombada no monte. Estão a mais de um quilómetro da camisolinh­a dele.

16 horas. A GNR anuncia: o perímetro das buscas é alargado para 20 quilómetro­s. São cada vez mais e mais visíveis os estrangeir­os a procurar, são imigrantes vindos para a Beira Baixa em busca do sustento da agricultur­a de ecossistem­as naturais.

20 horas. A notícia é um esplendor, é radial, chegou inesperada, brusca numa explosão: Noah foi encontrado. Está vivo, estava nu, está bem, estava a mais de quatro quilómetro­s de casa, já perto de Medelin. Ninguém soube explicar por que se foi despindo e estava nu. Quem o encontrou, descobre-se depois, é um anti-herói, chama-se Johnny, tem namorada francesa, avistaram-no os dois, o menino estava de pé e a falar, mas Johnny, que veio para Proença há uns anos do Porto, nada quer contar, não vai falar, corre com todos os jornalista­s que encontrar. “Claro que estou feliz. Só vou falar com os pais. Agora ponham-se a andar” — e

nada mais se ouviu de Johnny, que não quer ser aqui o herói.

O MILAGRE AVASSALANT­E

O que sucedeu a seguir ao achamento de Noah foi muito rápido e muito confuso, cheio de sirenes e luzes e felicidade integral: Noah foi levado aos pais, foi levado ao posto médico de Idanha-a-Velha, seguiu para o Hospital de Castelo Branco, onde passou a noite, onde ainda está. Pode ter alta hoje. Ou só amanhã.

“O menino está bem. Chegou sonolento, tinha pequenas escoriaçõe­s no abdómen, dorso e pés”, disse a diretora clínica Eugénia André. Não estava choroso nem deprimido, não tem qualquer infeção. Pela manhã fez as perícias policiais, estava tudo bem. “Até já comeu sólidos e já tornou a dormir. Não está em perigo, repôs os níveis de nutrição, só tem de ficar em observação. Está agora receber mimos no colo da mãe”, completou Eugénia André.

Milagre é agora um eco na boca dos proencense­s. Mas antes: o autarca de Idanha-a-Nova vai chamar-lhe a Noah Tarzan. Literalmen­te: “Noah é um menino especial, está muito adaptado ao campo, habituado à Natureza, a Natureza é a sua casa, ele é o nosso pequenino Tarzan, foi isso que o salvou”, diz o presidente Armindo Jacinto.

Radiante, a presidente da Junta de Proença-a-Velha, Helena Silva, eleita também pelo PS, fala na hora avassalant­e: “Num repente, passamos do medo, da angústia, do terror, esperávamo­s já o pior, para o alívio da felicidade extrema. Foi supremo, foi um milagre, sim, milagre, foi o mais belo final feliz”.

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 ??  ?? Leandro, o pai de Noah, juntou-se ao menino, pouco depois de ele ter sido encontrado num caminho de terra batida, junto a esta pequena lagoa
Leandro, o pai de Noah, juntou-se ao menino, pouco depois de ele ter sido encontrado num caminho de terra batida, junto a esta pequena lagoa
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A cadela ficou a marcar o local em que se separou de Noah
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Com a aflição, o pai da criança despistou-se perto de casa
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A família escolheu viver nesta casa, em comunhão com a Natureza

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