Descartada hipótese de crime após perícia às roupas
Na terra invoca-se um milagre, o autarca chama ao menino Tarzan e Johnny nada vai dizer, mas foi ele, que é do Porto, quem o achou. Noah continua em observação hospitalar. Está bem, está ao colo da mãe
5.30 horas. O pai Leandro, 42 anos, foi o primeiro a acordar e a sair, a casa estava cheia de silêncio. Quando chega ao campo, vê o sol nascer, que aqui nasce pelas 6 horas, e começa a trabalhar.
5.30 - 08 horas. Noah foi o segundo a acordar e a sair a seguir. O menino de dois anos e meio, já andante, já falante, veste-se sozinho e inteiro, calções e camisolinha, enfia as pequeninas galochas, a fralda já estava posta, sai porta de casa afora, campo adentro, em direção ao pai. Não o chega a encontrar: desconcerta-se pelo caminho e continua a caminhar. A cadela Melina, que o segue sempre para todo o lado, seguiu sempre a seu lado.
08 - 09 horas. A mãe Rita, 37 anos, acorda, chama por Noah, Noah não responde, vai logo ao campo a ver, Noah não está. A mãe e o pai chamam pelo seu nome ao vento. Minutos depois chamam pela GNR. Isto passou-se na quarta-feira, o dia do desespero primordial. Aqui é Proença-a-Velha, freguesia agrícola de 200 habitantes do concelho de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, Portugal interior florestal central.
9.30 horas. A GNR alavanca as primeiras buscas, sai para o terreno uma dezena apressada de militares. O corpo de pesquisa crescerá ao longo do dia, há de chegar a mais de uma centena de batedores.
Pelo resto da manhã, começam a organizar-se os primeiros procuradores civis que saem para os campos por autodeterminação. A palavra espalha-se, corre como fogo no capim, há um menino desaparecido na floresta, há cada vez mais gente a procurar, a avançar montes fora. O nome de Noah, derramado em todo o concelho, o nome dele ecoa, a cara enche os ecrãs de televisão. É um menino de olhos castanhos, olhos vivos, cabelo loiro, a cara linda e clara de um querubim.
18 horas. Cresceu para ocupar todos os espaços da família a desesperação. A mãe de Noah faz uma publicação no Facebook a abrir o coração. Oferece-se uma recompensa de 500 euros a quem o encontrar. Meia hora depois, a conselho policial, a publicação é retirada do Facebook, mas a rede social já está inundada de apelos, rogos, súplicas, não pára de crescer a invocação.
19 horas. Alarme: a cadela Melina, que nunca largava o menino, é avistada sozinha num campo ermo, já depois do rio Torto, junto a uma vedação, a três quilómetros da casa da família. Na vedação havia um buraco, Noah terá passado, Melina não, não cabia, tentou, havia pêlo nos arames do animal que não abandonou a vedação. Ficou a marcar o local da separação até ser encontrada.
20.30 horas. É achada a camisolinha do menino, estava uns metros à frente da vedação. A mãe confirmará: é de Noah. O desespero medra, instala-se, cresce a noite, a descrença, a exasperação. A noite será branca para aqueles pais.
FOI JOHNNY QUE O ACHOU
6 horas de quinta-feira. Avistam-se pegadas frescas da criança e pegadas de cão antes da vedação.
10 horas. Entre militares da GNR, bombeiros, proteção civil municipal, sapadores florestais, voluntários civis, mais as equipas cinotécnicas, drones e mergulhadores que vistoriam poços e linhas de água, são já centenas as pessoas a procurar.
14 horas. Soa o terceiro alarme e é assustador: aparecem as outras peças de roupa de Noah: os calções, a fralda, uma galocha enlameada tombada no monte. Estão a mais de um quilómetro da camisolinha dele.
16 horas. A GNR anuncia: o perímetro das buscas é alargado para 20 quilómetros. São cada vez mais e mais visíveis os estrangeiros a procurar, são imigrantes vindos para a Beira Baixa em busca do sustento da agricultura de ecossistemas naturais.
20 horas. A notícia é um esplendor, é radial, chegou inesperada, brusca numa explosão: Noah foi encontrado. Está vivo, estava nu, está bem, estava a mais de quatro quilómetros de casa, já perto de Medelin. Ninguém soube explicar por que se foi despindo e estava nu. Quem o encontrou, descobre-se depois, é um anti-herói, chama-se Johnny, tem namorada francesa, avistaram-no os dois, o menino estava de pé e a falar, mas Johnny, que veio para Proença há uns anos do Porto, nada quer contar, não vai falar, corre com todos os jornalistas que encontrar. “Claro que estou feliz. Só vou falar com os pais. Agora ponham-se a andar” — e
nada mais se ouviu de Johnny, que não quer ser aqui o herói.
O MILAGRE AVASSALANTE
O que sucedeu a seguir ao achamento de Noah foi muito rápido e muito confuso, cheio de sirenes e luzes e felicidade integral: Noah foi levado aos pais, foi levado ao posto médico de Idanha-a-Velha, seguiu para o Hospital de Castelo Branco, onde passou a noite, onde ainda está. Pode ter alta hoje. Ou só amanhã.
“O menino está bem. Chegou sonolento, tinha pequenas escoriações no abdómen, dorso e pés”, disse a diretora clínica Eugénia André. Não estava choroso nem deprimido, não tem qualquer infeção. Pela manhã fez as perícias policiais, estava tudo bem. “Até já comeu sólidos e já tornou a dormir. Não está em perigo, repôs os níveis de nutrição, só tem de ficar em observação. Está agora receber mimos no colo da mãe”, completou Eugénia André.
Milagre é agora um eco na boca dos proencenses. Mas antes: o autarca de Idanha-a-Nova vai chamar-lhe a Noah Tarzan. Literalmente: “Noah é um menino especial, está muito adaptado ao campo, habituado à Natureza, a Natureza é a sua casa, ele é o nosso pequenino Tarzan, foi isso que o salvou”, diz o presidente Armindo Jacinto.
Radiante, a presidente da Junta de Proença-a-Velha, Helena Silva, eleita também pelo PS, fala na hora avassalante: “Num repente, passamos do medo, da angústia, do terror, esperávamos já o pior, para o alívio da felicidade extrema. Foi supremo, foi um milagre, sim, milagre, foi o mais belo final feliz”.