“Não podemos conviver com um cemitério industrial”
Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos
Foi surpreendida pela decisão de fechar a Petrogal e gostaria de ver ali um centro de energia e investigação, admitindo que possa surgir habitação numa parte dos terrenos. Mas são precisos 400 milhões para descontaminar os solos. Reitera a necessidade de outra travessia entre Matosinhos e Leça da Palmeira e entende que o promotor do Hotel da Memória tem de ser indemnizado. Só que deve ser o Ministério do Ambiente a pagar. Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos, aborda os assuntos que marcam a atualidade no concelho.
Foi surpreendida pela decisão de encerramento da refinaria da Petrogal?
Fui surpreendida em dezembro quando soube do encerramento, embora tivesse sido informada previamente quando foi feita a suspensão do funcionamento. Creio que é normal perceber-se que, a prazo, haveria um cenário de encerramento da refinaria, face à evolução do mercado energético e às metas com que estamos todos comprometidos, mas não esperava que fosse tão rápido.
Já lhe disseram qual será o futuro das instalações?
Não temos conhecimento nenhum. Tenho tido a oportunidade de conversar com a Galp. Estão a ser estudadas as cadeias de valores das baterias e outras soluções na área da energia, mas ainda não há uma decisão. Por isso, creio que não é do conhecimento da Câmara porque não há decisões tomadas pela própria empresa.
O que gostaria de ver ali?
Estamos a falar de 260 hectares em frente ao mar, muito bem servidos de acessibilidades. A dimensão da área permite encontrar várias soluções. Eu gostaria que ali pudesse acontecer um grande centro de energia, de mar, ligado com a área do trabalho espacial em que Matosinhos também está envolvido através do CEiiA. E gostaria que a Universidade do Porto se pudesse expandir para ali. Já recebi da parte do senhor reitor essa disponibilidade.
A solução não passa pela Câmara comprar os terrenos?
Isso não é viável. E há algo muito preocupante que é a descontaminação. As indicações dizem que são necessários 400 milhões de euros para descontaminar os terrenos. Esse número é decisivo para tudo o que possa acontecer, sendo que para nós é incontornável que tem de se descontaminar os terrenos. Também me preocupa que a Galp, face a estes números, tente ou queira arrastar a decisão sobre o que lá vá acontecer. Mas nós não podemos conviver com um cemitério industrial com aqueles hectares todos contaminados.
O imobiliário está fora de questão?
Nós temos o PDM aprovado que prevê que aquela é uma área de atividade económica, sendo possível construir 10% de habitação. A área é tão grande que podem conviver vários fins e vários usos. É uma pequena cidade que ali está, devem conviver vários usos e não ser uma área monofuncional.
E a ponte móvel de Leça? Tantas avarias, queixas de falta de manutenção... como é que encara isso? A ponte móvel tem sido um problema. A APDL encomendou um estudo ao INEGI para perceber a razão pela qual as avarias passaram a ser tão frequentes e para que seja possível realizar uma intervenção de fundo. A Câmara não pode resolver isso, é da responsabilidade da APDL. Mas há coisas que nós temos de fazer. E o que acontece no tabuleiro sobre o rio Leça da A28, conjugado com os frequentes problemas da ponte móvel, recomenda que pensemos na terceira travessia para ligar Matosinhos e Leça da Palmeira. No próximo quadro comunitário temos de ter financiamento para o fazer. Não pode ser um investimento só do Município.
Já tem uma noção de onde poderá situar-se?
Há dois estudos em curso. Um em formato de túnel, que nasceria junto à igreja de Matosinhos e ligaria diretamente à Avenida António Macedo, ao pé da Exponor. Mas tem dificuldades de engenharia e traz problemas de execução. A outra solução é criar uma alternativa ao próprio tabuleiro, pelo menos para fazer as ligações internas entre Matosinhos e Leça da Palmeira, aliviando [a ponte atual] apenas para as ligações regionais à A28. Um dos problemas das cidades é a mobilidade. A necessidade de criar um novo transporte público para ligar a Leça da Palmeira e a terceira travessia são importantes.
Que tipo de transporte público pode ajudar?
O metrobus. A nossa primeira proposta é uma linha não de metro, mas de metrobus, para fazer a ligação do aeroporto a Leça da Palmeira, à rotunda da A28.
Os problemas de mobilidade também derivam de Matosinhos ser apetecível, o que torna o preço por m2 muito alto...
É um dos problemas da cidade neste momento.
“No próximo quadro comunitário temos de ter financiamento para o fazer [nova ponte]. Não pode ser um investimento só do Município”
Nem todas as pessoas têm capacidade económica, nesta altura, para comprar uma casa onde há 20 anos podiam comprar em Matosinhos.
A mobilidade é um desafio, a habitação é outro. Matosinhos aprovou a sua estratégia local de habitação e teve um financiamento de 57 milhões de euros. Temos 1116 pessoas que aguardam uma casa nos nossos registos e temos muitas pessoas que não têm condição para viver em Matosinhos, fruto do preço do m2. A seguir ao Porto, somos o concelho com o preço mais alto, e por isso estamos a intervir exatamente nesse sentido, criando habitação para renda acessível.
Como espera que se resolva a situação do Hotel da Memória? Não teme que o esqueleto se eternize lá?
O hotel foi licenciado no mandato anterior, depois da Câmara ter acolhido todos os pareceres das entidades com competência para intervir. Posteriormente, um inquérito concluiu que, afinal, ao contrário do que estava subjacente ao parecer da CCDR (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional), aquele terreno integra a Reserva Ecológica Nacional (REN). Fui notificada pelo senhor ministro [do Ambiente] e embarguei a construção. O promotor pôs uma ação em tribunal e pede uma indemnização. Estou perfeitamente tranquila, creio que se não tivesse embargado a obra, neste momento teria
“Creio que se não tivesse embargado a obra [construção do Hotel da Memória], neste momento teria uma ação de perda de mandato”
uma ação de perda de mandato.
Qual é a origem do erro? Da avaliação da CCDR? E os serviços da Câmara?
A Câmara não fiscaliza a REN. A competência é da CCDR.
Mas a Câmara não podia alertar para o erro?
A informação que a Câmara tinha era de que a parcela não integrava a REN. Foi com base nesse pressuposto que foi licenciado o hotel.
Na ação, o promotor pede 19 milhões. A Câmara, na contestação, diz que poderá exigir seis milhões no máximo.
Sim, porque eu compreendo que há uma parte pela qual o promotor não tem responsabilidade. O promotor cumpriu todas as regras. Estava a construir e impediram-no. Tem a construção a meio e não pode realizar o seu investimento, tem direito a ser indemnizado.
Mas a Câmara admite indemnizar?
A Câmara já disse que não vê responsabilidade. A responsabilidade é do Ministério do Ambiente. Foi a CCDR, tutelada pelo Ministério, que falhou ao dar o parecer; e foi o Ministério que disse que tinha de parar a obra porque estava num terreno de REN. A Câmara teve um ato material do cumprimento daquilo que é determinado por quem tutela. Não me parece que deva ser responsabilizada por um euro que seja.