“Já deu para matar saudades do nosso S. João”
Ranchos da Praça e do Monte cumpriram a tradição dos cantares ao padroeiro em Vila do Conde
“Já nos enche um bocadinho o coração!”, atira, sorrindo, Filipa Alvão. No adro da igreja matriz de Vila do Conde, o Rancho da Praça juntou-se, anteontem à noite, para os tradicionais cantares a S. João. Ao longe, junto ao Mosteiro de Santa Clara, está o Rancho do Monte. Também lá se canta, e quanto mais alto melhor.
É uma espécie de cantares ao desafio que, a uma semana do “grande dia”, anunciam as festas do padroeiro da cidade. Elvira Monteiro lidera a família “Tinoco”, descendente de um dos fundadores do Monte e “cantadeira com muito orgulho”. O “cheirinho” das festas deu para relembrar velhas rivalidades, vestir as roupas, pôr os cachecóis, dançar e cantar a plenos pulmões. E, ainda que só por momentos, Vila do Conde teve S. João.
“É triste! Muito triste não ver sair as marchas!”, explica Maria do Desterro Alvão – ou Desterro Maró, como é mais conhecida por ali –, olhando a cidade. Aos 79 anos é, há 18, a “cantadeira” da Praça e “por nada deste mundo” ia perder os cantares a S. João. Afinal, este ano é “o único bocadinho das festas” que será possível.
DESDE CRIANÇA
Desterro começou ali, no rancho infantil, com dez anos. Seguiu-se o rancho atual, depois a velha guarda. “Há dois anos, ainda fui no cortejo e dancei”, conta, orgulhosa da “sua” Praça. Por estes dias, afoga a tristeza com as músicas da Praça que, em casa, “tocam todo o dia sem parar”.
Filipa Alvão dança, canta e, por momentos, esquece que a pandemia de covid-19 lhe levou “o melhor da festa”. “Já é o segundo ano! Chega aquela noite e parece que nos falta qualquer coisa. É estranho... Pode ser que para o ano já possa ser tudo normal”, afirma.
Junto ao Mosteiro, na “casa” do rival, Fanny Lopes não ia perder a oportunidade de cantar e dançar, “nem que seja só um bocadinho”. Dança no Monte há 15 anos.
“Já deu para matar as saudades do nosso S. João, espairecer e animar as pessoas”, conta. Vestiu a camisola vermelha, pôs o cachecol ao pescoço, juntou família e amigos e lá foi assistir aos cantares.
Elvira abriu as hostes. Há 30 anos que é a cantadeira de serviço. Sucedeu à tia. “Já vem no sangue!”, diz, dando uma gargalhada. Estava “feliz, muito feliz” por ver, ainda que só por uns minutos, o verdadeiro S. João de Vila do Conde. É naquela rivalidade saudável entre os dois ranchos que está a “alma” da festa e, a julgar pelos cantares, está “viva e bem viva”. Velhos e novos cumpriram a tradição.
SARDINHAS EM CASA
Na “grande noite”, ainda que sem marchas na avenida, os “Tinocos” vão festejar. Haverá sardinha e o Monte vai ouvir-se alto e bom som, ainda que, este ano, cada um fique na sua casa. Uma forma diferente de manter vivo o S. João, à espera que grande festa voltem em 2022.