Democracia certificada
As medidas que visam o controlo da pandemia sobressaltam tanto os negacionistas como os defensores acérrimos de uma liberdade plena. Refiro-me aqui especialmente ao certificado digital sobre vacinação, documento que será cada vez mais um passaporte para uma vida normal, quer para os viajantes quer para todos aqueles que pretendem aceder a espaços fechados dentro ou fora do seu país. Não percamos de vista que estas medidas pretendem ser temporárias e serão eliminadas mal o vírus seja considerado endémico. Mas estará a democracia em causa quando exigimos um certificado ou teste negativo para vários atos do nosso dia a dia?
Leio com genuíno interesse posições expressas no imenso espaço opinativo proporcionado pelas redes sociais. Aí, nem todos os que escrevem são destituídos de qualidades intelectuais.
O certificado ou teste à covid traduzem um apartheid velado? Ou seja, há aqui laivos de discriminação entre quem é vacinado e quem não é ou não quer mostrar esse comprovativo em nome da sua privacidade? Existe um certificado internacional de vacinação (pré-covid). Existe também um boletim de vacinas, um passaporte e um cartão de cidadão. Eram e ainda são documentos que até os negacionistas provavelmente exibem sem problemas de maior. O novo certificado covid é assim tão inovador? O objetivo não será apenas o de travar a propagação de um vírus que pode matar ou deixar sequelas graves? Aos que criticam o certificado por ser discriminatório, lembro que o filósofo John Stuart Mill defendia precisamente a liberdade de expressão das ideias e da opinião, sem limites de ordem moral ou económica. No entanto, havia uma linha vermelha: a liberdade é ilegítima quando causa um dano injusto. Ao entrarmos num restaurante estando contaminados ou ao assistirmos a um jogo de futebol sem máscara, corremos o risco de causar esse dano. E será que isso é justo? Certifiquemos a democracia, calibrando a nossa responsabilidade.