Jornal de Notícias

Relevância­s de um currículo

- POR Mariana Mortágua Deputada do BE

A criação do Banco de Fomento foi anunciada há muito e com pompa. Porém, a fusão de diversos institutos públicos numa única entidade de apoio ao tecido empresaria­l português tarda em traduzir-se em qualquer coisa funcional. Sob a pandemia, o projeto voltou aos anúncios importante­s: o Banco de Fomento é o veículo pelo qual deverão chegar às empresas 1600 milhões de euros de fundos europeus, nada menos que 10% de todo o Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a português.

Não espanta por isso que, quando o Governo nomeou Vítor Fernandes para presidir ao Conselho de Administra­ção do Banco de Fomento, se tivessem multiplica­do reações adversas. Na resposta, o ministro das Finanças atravessou-se pelo “currículo relevante” do nomeado. Ora, o problema está mesmo no currículo.

O Parlamento investigou em comissão de inquérito um conjunto de créditos ruinosos aprovados pela administra­ção da Caixa Geral de Depósitos há cerca de dez anos - Vale do Lobo, José Berardo, Grupo Lena. Nesse célebre conselho de administra­ção, ao lado de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara, tinha assento Vítor Fernandes. A par daqueles créditos problemáti­cos, estavam outros, também os concedidos a acionistas do BCP para comprarem mais ações do banco e assumirem o seu controlo. Quando o assalto ao BCP se consumou, Santos Ferreira e Armando Vara seguiram para a administra­ção do banco privado. E, com eles, seguiu Vítor Fernandes. O relatório final do inquérito parlamenta­r acabou por ser menos contundent­e do que propôs o próprio Partido Socialista, que pretendeu que Vítor Fernandes figurasse entre os administra­dores com “intervençã­o direta nos créditos mais problemáti­cos” - o que seria um elemento certamente relevante do percurso do banqueiro.

Tudo isto era do conhecimen­to do Governo no momento da nomeação. Como se não bastasse, novos elementos do currículo de Fernandes têm vindo a público. Sabe-se agora que o Ministério Público suspeita que o administra­dor do Novo Banco ajudou Luís Filipe Vieira a comprar uma dívida de 54,3 milhões de euros de uma empresa sua a esse banco por apenas 9,1 milhões de euros. Fernandes terá alertado Luís Filipe Vieira para a impossibil­idade de a operação ser aprovada pelo Fundo de Resolução, por gerar perdas que viriam a cair sobre os contribuin­tes. Em alternativ­a, a dívida da Imosteps foi integrada no pacote Nata II e depois vendida ao fundo Davidson Kempner por 6,6 milhões de euros. Por essa altura, já estaria combinado com Vieira que, em seguida, a mesma dívida seria vendida a um seu associado por 9,1 milhões de euros, o que aconteceu. Este contacto e a própria solução para Luís Filipe Vieira terão sido facilitado­s por Vítor Fernandes.

O currículo de Vítor Fernandes na Caixa deveria ter sido suficiente para afastá-lo de qualquer nomeação pública, logo em fevereiro. Agora, o Banco de Portugal reavaliará a sua idoneidade e Siza Vieira diz que suspende a nomeação. Que a pressão pública contribua para que o Governo trate depressa de encontrar para o Banco de Fomento quem ofereça melhores referência­s.

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