Jornal de Notícias

A paz dos cemitérios

- Rafael Barbosa POR Diretor-adjunto

1. Dois meses depois do início da guerra, António Guterres foi a Moscovo (e amanhã a Kiev). Foi fazer o que lhe compete, enquanto líder da ONU: tentar construir um caminho para a paz. Não é aconselháv­el, no entanto, alimentar ilusões. A tentativa é louvável e necessária (mesmo que tardia), mas, para que haja paz, é necessário que ambas as partes a desejem. Ou que outros sejam capazes de a impor. E é bastante evidente que não existe nem esse desejo, nem essa força. Nem por parte da Rússia, o agressor, que está longe de conseguir atingir objetivos mínimos (e muito menos os máximos, que eram o de conquistar Kiev e derrubar o regime ucraniano). Nem por parte da Ucrânia, que não só não aceitará perder o controlo de parte do seu território, como é todos os dias empurrada para um ideal de vingança, tal é o nível de atrocidade­s cometido pelo invasor (execuções de civis, violações de mulheres, morte de crianças). Nem por parte dos países ocidentais: no mesmo dia em que Guterres conversava com o autocrata de Moscovo, a Alemanha cedia à pressão e anunciava a cedência de blindados com sistema de mísseis antiaéreos à Ucrânia; e os EUA juntavam 40 países numa base militar alemã, prometendo mover “céus e terra” na ajuda militar à Ucrânia. Infelizmen­te para Guterres e para a humanidade, as trombetas da paz são abafadas pelos tambores da guerra. Paz, por enquanto, só a dos cemitérios.

2. As posições do PCP sobre a guerra merecem pouco mais do que notas de rodapé. Chega a ser anedótico ouvir Jerónimo de Sousa a tropeçar em si próprio, só para evitar a palavra que lhe entra todos os dias pelos olhos dentro: invasão. Como chega a ser risível assistir à tentativa de adiar a votação, no Parlamento, de uma resolução do Livre que mais não pretende que Portugal se associe à ONU e ao Tribunal Penal Internacio­nal numa investigaç­ão independen­te aos crimes de guerra na Ucrânia. A todos, independen­temente de quem os esteja a cometer, russos ou ucranianos (incluindo os fascistas do Batalhão de Azov). O PCP foi sempre um dos filhos diletos do Partido Comunista da União Soviética, mesmo quando o Comité Central já sabia que o PCUS era liderado por uma ala geriátrica reacionári­a, violenta e corrupta. Mas, na verdade, não há nenhuma explicação política racional. Sobra a psicanális­e. O PCP sofre de um complexo de Édipo relativame­nte à mãe Rússia. A quem se interesse pelo assunto será mais útil ler Freud do que um manual de ciência política.

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