Jornal de Notícias

“Não morro à fome porque sei plantar couves e criar galinhas”

Delfim Dias deixou Lisboa para ser cuidador da mãe há 13 anos, mas não conseguiu até hoje reconhecim­ento como tal

- Alexandra Barata alexandra.barata@ext.jn.pt

S. PEDRO DO SUL Quando o estado de saúde da mãe se agravou, Delfim Dias deixou Lisboa, onde vivia desde os 13 anos, e regressou a Rompecilha, uma aldeia a 20 quilómetro­s de S. Pedro do Sul, em Viseu. Aos 47 anos, abdicou de viver na cidade que sentia como sua, do emprego como talhante e de um casamento “tremido”, para se tornar cuidador informal do pai, que já não andava, e da mãe, com Alzheimer.

Familiariz­ado com a doença, por ter uma cliente com o mesmo problema, Delfim leu toda a informação que encontrou sobre Alzheimer para poder ajudar a mãe, de 78 anos. Já o pai, de 86 anos, manifestav­a dificuldad­e em compreende­r as conversas da mulher. “Para que é que estás a mentir à tua mãe?”, perguntava ao filho, quando respondia à mãe que iam ver o avô, já falecido.

“Plantávamo­s cebolas num dia e ela queria arrancá-las no outro porque perdia a noção”,

exemplific­a Delfim. “Ou, depois de comermos, eu estava a lavar a loiça e ela perguntava quando íamos fazer o comer”.

Delfim pediu ajuda a um psiquiatra, que lhe disse que ia ser “muito difícil”, porque Maria José não sabia ler, nem escrever, nem tinha grandes interesses. Foi quando ocorreu ao cuidador que a mãe costumava fazer meias e cueiros. Arranjou lã e pô-la outra vez a fiar. “À medida que a doença ia evoluindo, deixava meias sem calcanhar e outras sem cano, mas o importante era estar ocupada”.

“Nestes anos todos, só tive apoio da família e das velhotas da aldeia. Como achavam piada ao que fazia com a minha mãe, ajudavam. Voltámos a fazer o ciclo do linho”, conta Delfim, hoje com 60 anos. Apesar do empenho, o sócio n.o 3 da Associação Nacional de Cuidadores Informais nunca foi reconhecid­o como tal. “Não consigo convencer os médicos a fazerem 50 quilómetro­s para vicial, rem a nossa casa. É preciso levar a minha mãe a Viseu para verem que sou cuidador? Se não fala e está acamada, como é que vai dizer que me autoriza a tomar conta dela?”.

“SENTIA-ME UM PEDINTE”

Revoltado com a situação, Delfim diz que não existe como cuidador, nem como trabalhado­r, desde que regressou a Rompecilha. “Estes foram os 13 anos em que mais trabalhei na vida. Não desconto para a Segurança Soporque não tenho como, e só não morro à fome porque sei plantar couves e criar galinhas”, assegura. “As poupanças de 34 anos foram para cuidar dos meus pais. Chegou a acontecer, a meio do mês, ter dois euros. Os meus irmãos ficaram chateados quando souberam, mas sentia-me um pedinte”.

“Se o Estado ajuda centros sociais, lares e IPSS, porque não me ajuda, se estou a substituí-los?”, questiona o cuidador. Depois de o pai falecer, há três anos, a mãe, Maria José, hoje com 91 anos, estava sempre a perguntar por ele. Para minorar o sofrimento, Delfim decidiu construir um outro espaço para onde se mudaram e pediu para chamarem ao arruamento Rua dos Amores-Perfeitos.

Quando olha para trás, Delfim recorda o choque que sentiu quando se mudou de Lisboa para Rompecilha. “Era mais barulhento o silêncio da aldeia do que o barulho da Estrada dos Arneiros, sempre com carros a passar”, ironiza. Contudo, regressar a Lisboa deixou de estar nos seus planos.

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 ?? ?? Aos 60 anos, Delfim cuida da mãe de 91 anos que sofre de Alzheimer na aldeia de Rompecilha
Aos 60 anos, Delfim cuida da mãe de 91 anos que sofre de Alzheimer na aldeia de Rompecilha

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