“Não morro à fome porque sei plantar couves e criar galinhas”
Delfim Dias deixou Lisboa para ser cuidador da mãe há 13 anos, mas não conseguiu até hoje reconhecimento como tal
S. PEDRO DO SUL Quando o estado de saúde da mãe se agravou, Delfim Dias deixou Lisboa, onde vivia desde os 13 anos, e regressou a Rompecilha, uma aldeia a 20 quilómetros de S. Pedro do Sul, em Viseu. Aos 47 anos, abdicou de viver na cidade que sentia como sua, do emprego como talhante e de um casamento “tremido”, para se tornar cuidador informal do pai, que já não andava, e da mãe, com Alzheimer.
Familiarizado com a doença, por ter uma cliente com o mesmo problema, Delfim leu toda a informação que encontrou sobre Alzheimer para poder ajudar a mãe, de 78 anos. Já o pai, de 86 anos, manifestava dificuldade em compreender as conversas da mulher. “Para que é que estás a mentir à tua mãe?”, perguntava ao filho, quando respondia à mãe que iam ver o avô, já falecido.
“Plantávamos cebolas num dia e ela queria arrancá-las no outro porque perdia a noção”,
exemplifica Delfim. “Ou, depois de comermos, eu estava a lavar a loiça e ela perguntava quando íamos fazer o comer”.
Delfim pediu ajuda a um psiquiatra, que lhe disse que ia ser “muito difícil”, porque Maria José não sabia ler, nem escrever, nem tinha grandes interesses. Foi quando ocorreu ao cuidador que a mãe costumava fazer meias e cueiros. Arranjou lã e pô-la outra vez a fiar. “À medida que a doença ia evoluindo, deixava meias sem calcanhar e outras sem cano, mas o importante era estar ocupada”.
“Nestes anos todos, só tive apoio da família e das velhotas da aldeia. Como achavam piada ao que fazia com a minha mãe, ajudavam. Voltámos a fazer o ciclo do linho”, conta Delfim, hoje com 60 anos. Apesar do empenho, o sócio n.o 3 da Associação Nacional de Cuidadores Informais nunca foi reconhecido como tal. “Não consigo convencer os médicos a fazerem 50 quilómetros para vicial, rem a nossa casa. É preciso levar a minha mãe a Viseu para verem que sou cuidador? Se não fala e está acamada, como é que vai dizer que me autoriza a tomar conta dela?”.
“SENTIA-ME UM PEDINTE”
Revoltado com a situação, Delfim diz que não existe como cuidador, nem como trabalhador, desde que regressou a Rompecilha. “Estes foram os 13 anos em que mais trabalhei na vida. Não desconto para a Segurança Soporque não tenho como, e só não morro à fome porque sei plantar couves e criar galinhas”, assegura. “As poupanças de 34 anos foram para cuidar dos meus pais. Chegou a acontecer, a meio do mês, ter dois euros. Os meus irmãos ficaram chateados quando souberam, mas sentia-me um pedinte”.
“Se o Estado ajuda centros sociais, lares e IPSS, porque não me ajuda, se estou a substituí-los?”, questiona o cuidador. Depois de o pai falecer, há três anos, a mãe, Maria José, hoje com 91 anos, estava sempre a perguntar por ele. Para minorar o sofrimento, Delfim decidiu construir um outro espaço para onde se mudaram e pediu para chamarem ao arruamento Rua dos Amores-Perfeitos.
Quando olha para trás, Delfim recorda o choque que sentiu quando se mudou de Lisboa para Rompecilha. “Era mais barulhento o silêncio da aldeia do que o barulho da Estrada dos Arneiros, sempre com carros a passar”, ironiza. Contudo, regressar a Lisboa deixou de estar nos seus planos.