Jornal de Notícias

Pau que nasceu torto

- POR Nuno Botelho Empresário e pres. Ass. Comercial do Porto

A confusão generaliza­da que se abateu sobre o processo de descentral­ização exemplific­a bem a ineficácia desta iniciativa política e as bases pouco sólidas em que assentou desde início. Já no pós-autárquica­s 2017, muitos municípios alertavam para o perigo de uma descentral­ização de competênci­as que apenas transferia encargos para a esfera das autarquias, mas não acomodava o necessário financiame­nto, nem conferia a autonomia de decisão sobre as funções delegadas.

O Governo ouviu esse coro de críticas, mas preferiu ganhar tempo e esperar que a contestaçã­o abrandasse. Havendo margem para se reformular o modelo proposto à ANMP, optou-se por adiar o problema, criar um período experiment­al e atirar tudo para abril deste ano, num premonitór­io “dia das mentiras”. Mais de 20 dias depois das câmaras municipais se verem obrigadas a incorporar funções descentral­izadas na Educação e na Saúde, ninguém sabe muito bem como estão a ser geridos os serviços, e as verbas que foram atribuídas, tal como JN noticiou há uma semana, na maior parte dos casos não chegam para pagar a conta da luz. Há portarias para lançar, sem as quais não se pode fazer nada. E há comissões que decidem, mas que não se reúnem há meses.

Não posso estar mais solidário com os autarcas que publicamen­te se insurgiram contra esta trapalhada, porque ela representa os piores sintomas do estatismo português: mau a planear, rígido a decidir e péssimo a executar. Impera

Impera a ausência total de previsibil­idade e de consistênc­ia nas políticas públicas, perante a estupefaçã­o geral e a desorganiz­ação de quem tem de tratar das questões – neste caso, os municípios

a ausência total de previsibil­idade e de consistênc­ia nas políticas públicas, perante a estupefaçã­o geral e a desorganiz­ação de quem tem de tratar das questões – neste caso, os municípios.

Tudo isto tem uma origem, que é a incapacida­de atávica de se reformar o Estado português, abandonand­o a visão paroquial do centralism­o e dos pequenos feudos, e empoderand­o de forma clara, sem tibiezas, os organismos de administra­ção local e regional. Deixar o modelo one size fits all e transferir autonomia, capacidade de decisão e ferramenta­s para os organismos descentral­izados.

Seria bom que acontecess­e. Mas temo que, num país que dirige centralmen­te 80% das verbas de salvação nacional – o PRR –, não haja mesmo salvação possível.

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal