Sinais dos tempos
Quem anda pela cidade já deve ter reparado. Há mais pessoas, até jovens, a pedir, com maior ou menor disfarce a finalidade é a mesma. Leitores atentos já nos tinham feito chegar o facto mas há dias uma situação inesperada confirmou a dureza desta realidade. Senhora muito velha de aspeto e dificuldade motora, caminhava com lentidão na rua perto do semáforo quase entupindo o trânsito, que respeitava esta “imprudência”, afastando-se mais para a lateral. Chegada ao veículo dianteiro estende um copo e inverte percurso no penoso gesto de colher umas moedas, poucas mas algumas, que agradecia com gesto de cabeça quase calva e rosto resignado de alma ausente. Não esperava ver tal na zona mas, olhando a envolvente, percebi a causa de tamanha solidão e dependência, pois adiante e alheios ao facto, um casal jovem parava aguardando que o seu cão defecasse no passeio ao som de uma risada de indiferença. A velha senhora não faria parte das suas preocupações, os avós estariam “acomodados” num lar e os filhos que gostariam de ter tinham dado lugar ao canino “salvo” num gesto humanitário adequado à época, embora implicando “custos de manutenção” de um normal familiar. Já nos tinham chamado a atenção, em muitas cabeças citadinas jovens, hoje o cão substitui o dever de cuidar dos mais velhos, numa opção de compromisso que os tempos futuros irão faturar muito caro. O sinal da crónica é chamar a atenção para realidades urbanas que se irão agravar, as dificuldades financeiras ampliam-se, a sociedade envelhecida e as mudanças populacionais no relacionamento social e laboral aumentam, a rutura de uma sociedade tolerante e solidária sem horizonte alternativo justo e comprometido está no horizonte. Será que os políticos já pensaram nisto? E o que propõem para o evitar? A velha senhora do semáforo já não espera por eles!