Exploradores e abusadores de crianças
Não concordo com quem insiste que a guerra e a pandemia constituem uma oportunidade. A generalização é injusta, mas apetece dizer que quem pensa assim vive bem com o mal dos outros. Morre muita gente, os mais afetados são os mais desprotegidos, há negócios e vidas estilhaçados. No meio de tudo isto, claro, há quem engorde a conta bancária. As maiores fortunas do Mundo não param de crescer. Prefiro pensar que todos os dias são oportunidades, com ou sem vírus, com ou sem mísseis. Viver é a maior oportunidade, embora não o seja para todos. Para milhares de crianças, por exemplo, viver é uma oportunidade perdida a cada nascer do sol. No domingo, assinalou-se o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil e, após 16 anos seguidos com o número de menores explorados em queda, a covid emergiu como oportunidade para patrões sem escrúpulos inverterem esta tendência. Acontece sobretudo em África, no Pacífico e na Ásia, onde se acomodam grandes fortunas, onde se constroem com trabalho escravo estádios mirabolantes para receber o Campeonato do Mundo mais sujo da história do futebol.
Enquanto português, poderia estar descansado. As instituições do país funcionam, haverá situações irregulares, mas evoluímos muito desde a ditadura, esse período obscuro da História em que as crianças, aos dez anos, no Interior do país, deixavam a escola e caminhavam com a geada como sola para trabalhar 12 horas no campo. Também aconteceria no Litoral, mas falo sobre vidas que me foram contadas na primeira pessoa. Atravessámos uma Revolução, enterrámos um regime obtuso, e as preocupações não desapareceram. Se a exploração de crianças já não é problema premente, outros há suscetíveis de causarem revolta até num criopreservado. Ou haverá maneira de nos conformarmos quando um tribunal considera que um professor acariciar uma menina por baixo do vestido não é um abuso sexual, reduzindo-lhe a pena e livrando-o da prisão?