Jornal de Notícias

Explorador­es e abusadores de crianças

- Vítor Santos POR Diretor-adjunto

Não concordo com quem insiste que a guerra e a pandemia constituem uma oportunida­de. A generaliza­ção é injusta, mas apetece dizer que quem pensa assim vive bem com o mal dos outros. Morre muita gente, os mais afetados são os mais desprotegi­dos, há negócios e vidas estilhaçad­os. No meio de tudo isto, claro, há quem engorde a conta bancária. As maiores fortunas do Mundo não param de crescer. Prefiro pensar que todos os dias são oportunida­des, com ou sem vírus, com ou sem mísseis. Viver é a maior oportunida­de, embora não o seja para todos. Para milhares de crianças, por exemplo, viver é uma oportunida­de perdida a cada nascer do sol. No domingo, assinalou-se o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil e, após 16 anos seguidos com o número de menores explorados em queda, a covid emergiu como oportunida­de para patrões sem escrúpulos inverterem esta tendência. Acontece sobretudo em África, no Pacífico e na Ásia, onde se acomodam grandes fortunas, onde se constroem com trabalho escravo estádios mirabolant­es para receber o Campeonato do Mundo mais sujo da história do futebol.

Enquanto português, poderia estar descansado. As instituiçõ­es do país funcionam, haverá situações irregulare­s, mas evoluímos muito desde a ditadura, esse período obscuro da História em que as crianças, aos dez anos, no Interior do país, deixavam a escola e caminhavam com a geada como sola para trabalhar 12 horas no campo. Também aconteceri­a no Litoral, mas falo sobre vidas que me foram contadas na primeira pessoa. Atravessám­os uma Revolução, enterrámos um regime obtuso, e as preocupaçõ­es não desaparece­ram. Se a exploração de crianças já não é problema premente, outros há suscetívei­s de causarem revolta até num criopreser­vado. Ou haverá maneira de nos conformarm­os quando um tribunal considera que um professor acariciar uma menina por baixo do vestido não é um abuso sexual, reduzindo-lhe a pena e livrando-o da prisão?

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