Provedora contra risco de censura na luta à desinformação
Maria Lúcia Amaral quer inconstitucionalidade de normas sobre queixas à ERC e “selos de qualidade”
LIBERDADE A Provedora de Justiça pediu a declaração de inconstitucionalidade do polémico artigo 6.o da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital (Lei n.o 27/2021, de 17 de maio), aprovada para “proteger a sociedade” contra a “desinformação”, que prevê queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e apoio do Estado a estruturas de “verificação de factos” e de atribuição de “selos de qualidade”.
Maria Lúcia Amaral, cuja intervenção foi pedida pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), secunda o presidente da República, que, no final de julho, requereu ao Tribunal Constitucional declaração de inconstitucionalidade de todo o artigo.
Marcelo Rebelo de Sousa alegava que os próprios conceitos, como “narrativa comprovadamente falsa ou enganadora” e “utilização de textos ou vídeos manipulados ou fabricados”, são “vagos e indeterminados”, receando um “eventual efeito de censura”, e que o Estado não poderia apoiar estruturas cujo âmbito de atuação se desconhece.
O texto da Provedora, que incide sobre os números do artigo relativo à intervenção da ERC (5) e do apoio a “estruturas” de verificação de factos e de atribuição de selos de qualidade (6), põe em evidência que o risco da difusão de notícias falsas é inerente à liberdade de imprensa e de expressão dos cidadãos e da formação da opinião nas sociedades democráticas, que não podem ser postas em causa.
A “POSIÇÃO OFICIAL”
A pretexto do “dever do Estado de proteger os indivíduos contra a desinformação”, legitimando uma “atuação estadual”, nota que “jamais (se) pode permitir uma intervenção estatal casuística, consista ela em interferir ou mesmo censurar determinada interação ou conteúdo concreto ou apenas em sinaliza-lo, etiquetá-lo ou de algum outro modo sobre ele tomar ‘posição oficial’”.
Recordando que a norma se aplica a todo o universo comunicacional – incluindo as redes sociais – Maria Lúcia Amaral alerta que um procedimento de queixa à ERC não está previsto nos respetivos Estatutos (portanto, seria ilegal), seria de análise praticamente impossível e, “além de inadequada, constitui uma interferência desnecessária na liberdade de expressão e de informação”.
Além de não estarem definidas as regras de atuação e a lei não estabelecer “com o mínimo de critério ou rigor as consequências jurídicas” para o infrator, “a previsão legal de intervenção da ERC no domínio do combate à desinformação é intolerável em Estado de direito democrático”, considera.
Já a previsão de apoio àquelas estruturas não define o que são concretamente, como podem ser elegíveis e que garantias de independência dão, nem sequer os conceitos de “qualidade” e “entidade fidedigna”.