Jornal de Notícias

O último apaga a luz?

- POR António Cunha Presidente da CCDR-N

Assisti há dias, com estupefaçã­o e incredulid­ade, a um programa da televisão pública – “O último apaga a luz”, da RTP3 – em que um painel de ilustres convidados perora a respeito da “descentral­ização” e “regionaliz­ação”. Impression­aram-me (e preocupara­m-me) duas coisas: o profundo desconheci­mento de causa em pessoas respeitada­s e a ligeireza leviana a que esse desconheci­mento conduziu na análise de assuntos importante­s.

Em poucos minutos, testemunha-se um pouco de tudo. São baralhados, sem aparente peso na consciênci­a, números e realidades, e articulam-se lugares-comuns sem fundamento. Da Alemanha, dada como exemplo, pouco ou nada se sabe a respeito da sua organizaçã­o política e administra­tiva, bem como da dimensão dos estados, regiões e associaçõe­s territoria­is desta federação; da Bélgica, sobra a ideia de um país ingovernáv­el e não regionaliz­ado; e da democracia suíça não se conhece muito além de vagas generalida­des sobre “montanhas”, resquício porventura do imaginário de Heidi. Mencionand­o-se estes casos (com modelos maduros de regionaliz­ação!), salta a frase de que há “países que funcionam muito bem, e muito melhor que Portugal, sem regionaliz­ação nenhuma”...

Em matéria de conceitos, a coisa não melhorou. A desconcent­ração é confundida com a descentral­ização, e esta é tida como uma medida que “duplica a burocracia estatal e o orçamento do Estado”, em vez de os racionaliz­ar e distribuir. Espantei-me mais quando ouvi que a descentral­ização aumenta “as hipóteses de corrupção” (branqueand­o toda a mácula moral produzida na capital...) e que os autarcas (das “camarazinh­as do Norte”) querem, no fim de contas, “o dinheiro do Estado central”. (Ouvi bem: “o dinheiro do Estado central”.)

Tivessem sido lidos, mesmo na diagonal, alguns relatórios da OCDE e teríamos sido poupados a tamanhos equívocos. Neles, ficamos a saber, por exemplo, que há países mais “pequenos” regionaliz­ados e que o nosso atraso estrutural é associado a uma excessiva centraliza­ção das políticas e da despesa públicas.

Este espetáculo foi mais uma evidência daquilo a que um centralism­o decadente e arrogante se pode permitir. Fica claro que precisamos, com urgência, de um debate qualificad­o e um esclarecim­ento público limpo de equívocos e preconceit­os. Essa é uma responsabi­lidade de todos: dirigentes públicos, universida­des e média. Na sua visão ponderada e pragmática, foi isso que os autarcas do Norte propuseram recentemen­te...

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