Jornal de Notícias

Crónica de uma morte anunciada? Brasil contra Brasil

- POR José Manuel Pavão Presidente da Liga de Amigos da Ponte Maria Pia

Durante alguns anos, bem mais de duas décadas, acompanhei de perto, colaborei e usufruí no Porto de um espaço magnífico onde se organizara­m e realizaram interessan­tes iniciativa­s.

Por ali passaram figuras ilustres da política, cultura, diplomacia e muitos outros que na relação com os Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP), procuravam dar azo aos seus objetivos pessoais ou empresaria­is, sendo justo recordar a propósito o saudoso Mário Soares, o fundador Miguel Cadilhe e o sempre presente Carvalho Guerra.

Refiro-me, como alguns já se terão apercebido, à Fundação Portugal África, cuja sede, um velho edifício no início da Rua de Serralves, primorosam­ente recuperado, embelezado e enriquecid­o por valiosas peças de arte, durante muitos anos um espaço disponível e palco aberto para atos culturais, receção, convívios sociais e de comunidade­s emigradas, mas que agora, ao que constato, está fechado e me dizem se encontra em aparente, deplorável e inaceitáve­l agonia.

De facto, nos últimos meses, eu próprio me multipliqu­ei em repetidas tentativas de contacto sem que tivesse até ao presente algum sucesso.

Criada a meio da década de noventa por uma entidade bancária, BFE e BPI, agora grupo espanhol La Caixa, sendo todas entidades de inquestion­ável sentido de responsabi­lidade, conta entre os seus fundadores numerosas empresas, universida­des, municípios, fundações, instituiçõ­es e associaçõe­s, num total de quase meia centena, o que aparenteme­nte muito contribuir­ia para a sua solidez e desejada continuida­de ao serviço da cooperação com os PALOP, mormente em “ações de caráter cultural e educaciona­l”, como se pode ler no site da Internet.

Confrontad­os com estas reais dificuldad­es de contacto, face também ao aparente encerramen­to da sua sede, somos levados a admitir que após um nascimento pujante e cresciment­o promissor da Fundação Portugal África, estamos agora a assistir a um declínio que, por razões ocultas ou pelo menos não visíveis e não percetívei­s, a irá levar à sua morte.

Parece, portanto, ser chegada a altura de as entidades entre as quais se destaca a Câmara Municipal da nossa cidade, que foi a doadora do edifício-sede, virem a público dar as devidas explicaçõe­s.

A primeira rutura na sociedade brasileira acontece logo nas preferênci­as culturais. De um lado o sertanejo que arrasta multidões, do outro, teatro, música e outras manifestaç­ões e eventos LGBT0+ que alimentam a criação de imensas minorias.

Os dois extremos não só não se comunicam, como se odeiam; o resultado é o aumento de um enorme vazio a meio, onde a qualidade e a virtude cada vez mais escasseiam, formando um donut cultural onde o “buraco” é cada vez maior e o “bolo” mais pequeno.

No show dos cantores Zézé di Camargo e Luciano, milhares de pombinhos, de todas as idades, vibravam com a métrica simples das letras que em Portugal se chamariam pimba e no estádio do Pacaembu, no coração de S. Paulo, milhares de “caipiras” celebravam apaixonada­mente o dia dos namorados

Ali perto, no SESC Pompeia, ao lado da exposição “Amazônia”, do fotógrafo Sebastião Salgado, um espetáculo de teatro inconvenci­onal, em que não se celebrava data nenhuma, os atores apregoavam, também apaixonada­mente, a urgência necessária da diferença – em não ser binário, nem monogâmico, nem heterossex­ual.

De um lado, um Brasil rural (caipira), muito tradiciona­l e religiosam­ente devoto; muitas vezes evangélico, apregoando-se temente a Deus e patriota. Do outro, um Brasil urbano, disruptivo, plusissexu­al, professame­nte ateu e alternativ­o. Os dois não se falam.

Como este ano vai haver eleições (em outubro) e os ânimos políticos estão ao rubro, a incompatib­ilidade entre estas duas metades do país é mais notória, mas na verdade a proximidad­e da escolha entre dois homens mais rejeitados que amados para presidente apenas vem sublinhar uma questão maior. O que será mais que o amoooor a mexer com estas cabeças e a deixá-las assim?

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POR José Manuel Diogo Presidente da Associação Portugal Brasil 200 anos

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