Crónica de uma morte anunciada? Brasil contra Brasil
Durante alguns anos, bem mais de duas décadas, acompanhei de perto, colaborei e usufruí no Porto de um espaço magnífico onde se organizaram e realizaram interessantes iniciativas.
Por ali passaram figuras ilustres da política, cultura, diplomacia e muitos outros que na relação com os Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP), procuravam dar azo aos seus objetivos pessoais ou empresariais, sendo justo recordar a propósito o saudoso Mário Soares, o fundador Miguel Cadilhe e o sempre presente Carvalho Guerra.
Refiro-me, como alguns já se terão apercebido, à Fundação Portugal África, cuja sede, um velho edifício no início da Rua de Serralves, primorosamente recuperado, embelezado e enriquecido por valiosas peças de arte, durante muitos anos um espaço disponível e palco aberto para atos culturais, receção, convívios sociais e de comunidades emigradas, mas que agora, ao que constato, está fechado e me dizem se encontra em aparente, deplorável e inaceitável agonia.
De facto, nos últimos meses, eu próprio me multipliquei em repetidas tentativas de contacto sem que tivesse até ao presente algum sucesso.
Criada a meio da década de noventa por uma entidade bancária, BFE e BPI, agora grupo espanhol La Caixa, sendo todas entidades de inquestionável sentido de responsabilidade, conta entre os seus fundadores numerosas empresas, universidades, municípios, fundações, instituições e associações, num total de quase meia centena, o que aparentemente muito contribuiria para a sua solidez e desejada continuidade ao serviço da cooperação com os PALOP, mormente em “ações de caráter cultural e educacional”, como se pode ler no site da Internet.
Confrontados com estas reais dificuldades de contacto, face também ao aparente encerramento da sua sede, somos levados a admitir que após um nascimento pujante e crescimento promissor da Fundação Portugal África, estamos agora a assistir a um declínio que, por razões ocultas ou pelo menos não visíveis e não percetíveis, a irá levar à sua morte.
Parece, portanto, ser chegada a altura de as entidades entre as quais se destaca a Câmara Municipal da nossa cidade, que foi a doadora do edifício-sede, virem a público dar as devidas explicações.
A primeira rutura na sociedade brasileira acontece logo nas preferências culturais. De um lado o sertanejo que arrasta multidões, do outro, teatro, música e outras manifestações e eventos LGBT0+ que alimentam a criação de imensas minorias.
Os dois extremos não só não se comunicam, como se odeiam; o resultado é o aumento de um enorme vazio a meio, onde a qualidade e a virtude cada vez mais escasseiam, formando um donut cultural onde o “buraco” é cada vez maior e o “bolo” mais pequeno.
No show dos cantores Zézé di Camargo e Luciano, milhares de pombinhos, de todas as idades, vibravam com a métrica simples das letras que em Portugal se chamariam pimba e no estádio do Pacaembu, no coração de S. Paulo, milhares de “caipiras” celebravam apaixonadamente o dia dos namorados
Ali perto, no SESC Pompeia, ao lado da exposição “Amazônia”, do fotógrafo Sebastião Salgado, um espetáculo de teatro inconvencional, em que não se celebrava data nenhuma, os atores apregoavam, também apaixonadamente, a urgência necessária da diferença – em não ser binário, nem monogâmico, nem heterossexual.
De um lado, um Brasil rural (caipira), muito tradicional e religiosamente devoto; muitas vezes evangélico, apregoando-se temente a Deus e patriota. Do outro, um Brasil urbano, disruptivo, plusissexual, professamente ateu e alternativo. Os dois não se falam.
Como este ano vai haver eleições (em outubro) e os ânimos políticos estão ao rubro, a incompatibilidade entre estas duas metades do país é mais notória, mas na verdade a proximidade da escolha entre dois homens mais rejeitados que amados para presidente apenas vem sublinhar uma questão maior. O que será mais que o amoooor a mexer com estas cabeças e a deixá-las assim?