“Se emissões não diminuírem, o problema vai-se agravar”
Há três anos, avisava que o clima do Norte de África estava a chegar a Portugal. Confirma-se?
Confirma-se perfeitamente. Não só o clima está mais seco, como está também bastante mais quente. No Norte de África observa-se a mesma tendência. Esta mudança de climas tem a ver com a circulação geral da atmosfera. É uma tendência a nível mundial e é consequência das alterações climáticas. Há mais secas, particularmente mais gravosas nos países mais pobres.
Mudança essa também mais gravosa na Península Ibérica.
No estudo SIAM (Scenarios, Impacts and Adaptation Measures), iniciado em 1999 com financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian, já se indicava que isto ia acontecer na Península Ibérica. A gravidade depende das emissões, se não diminuírem e continuarem a crescer, o problema vai-se agravar. Quanto mais tarde começarem a decrescer as emissões, mais grave será este problema de passarmos a ter um clima mais quente e mais seco. A situação é grave, sobretudo no Sul da Europa.
A que se junta o degelo.
Há situações mais complexas, como o aquecimento do Ártico. O degelo provoca uma anomalia positiva no Ártico, que está a aquecer mais do que a temperatura média global da atmosfera. A temperatura está em mais 1,1ºC [face aos valores pré-industriais] e no Ártico é superior a 2ºC. Vivemos uma situação de urgência para conseguir diminuir as emissões para não ultrapassar os 1,5ºC.
Uma meta ameaçada, tanto pelos resultados da COP de Glasgow, como pela guerra na Ucrânia?
É extremamente difícil: 90% das fontes primárias de energia continuam a ser combustíveis fósseis. Na COP, o que se esperava é que fosse decidido o “phase out”, mas só foi possível chegar a consenso para limitar o uso do carvão. Além disso, com a guerra na Ucrânia e o embargo à Rússia, os preços do petróleo, do gás natural e do carvão têm aumentado muito. Mesmo assim, o carvão está mais acessível, logo os países usam mais carvão do que no passado, no sentido contrário do que seria desejável. A notícia positiva é que a União Europeia quer deixar de ser dependente do petróleo e gás natural da Rússia, o que incentivará o uso das energias renováveis.
Isso deixa-nos onde, em termos de emissões?
As emissões de 2022 muito provavelmente vão ser superiores. Com a pandemia, em 2020, tinham baixado 5%. Mas, em 2021, já subiram 4,6%, praticamente ao nível de 2019. É muito provável que, em 2022, sejam superiores, porque o carvão emite mais CO2 [dióxido de carbono].
Em Portugal, a temperatura média, neste século, não pára de subir.
Desde 1980 que a tendência é de temperaturas mais altas do que a normal 1971-2000. A subida da temperatura da Europa é maior do que para todos os continentes: 1,3ºC contra 1,1ºC. Depois, do lado da precipitação, as maiores anomalias negativas, em Portugal, são neste século.
Com impactos na gestão da água.
Um dos problemas em Portugal é que se mede muito pouco. É difícil gerir uma coisa que não se mede. Neste momento, o mais complicado é o Algarve. É preciso acelerar a reutilização da água. Em Espanha, 10% das águas tratadas são reutilizadas; em Portugal, não chega a 1,5%. O Governo já está a investir. E, depois, a dessalinização, com um processo no PRR para investir na central de dessalinização do Algarve.