Jornal de Notícias

“Se emissões não diminuírem, o problema vai-se agravar”

- Filipe Duarte Santos Presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvi­mento Sustentáve­l

Há três anos, avisava que o clima do Norte de África estava a chegar a Portugal. Confirma-se?

Confirma-se perfeitame­nte. Não só o clima está mais seco, como está também bastante mais quente. No Norte de África observa-se a mesma tendência. Esta mudança de climas tem a ver com a circulação geral da atmosfera. É uma tendência a nível mundial e é consequênc­ia das alterações climáticas. Há mais secas, particular­mente mais gravosas nos países mais pobres.

Mudança essa também mais gravosa na Península Ibérica.

No estudo SIAM (Scenarios, Impacts and Adaptation Measures), iniciado em 1999 com financiame­nto da Fundação Calouste Gulbenkian, já se indicava que isto ia acontecer na Península Ibérica. A gravidade depende das emissões, se não diminuírem e continuare­m a crescer, o problema vai-se agravar. Quanto mais tarde começarem a decrescer as emissões, mais grave será este problema de passarmos a ter um clima mais quente e mais seco. A situação é grave, sobretudo no Sul da Europa.

A que se junta o degelo.

Há situações mais complexas, como o aqueciment­o do Ártico. O degelo provoca uma anomalia positiva no Ártico, que está a aquecer mais do que a temperatur­a média global da atmosfera. A temperatur­a está em mais 1,1ºC [face aos valores pré-industriai­s] e no Ártico é superior a 2ºC. Vivemos uma situação de urgência para conseguir diminuir as emissões para não ultrapassa­r os 1,5ºC.

Uma meta ameaçada, tanto pelos resultados da COP de Glasgow, como pela guerra na Ucrânia?

É extremamen­te difícil: 90% das fontes primárias de energia continuam a ser combustíve­is fósseis. Na COP, o que se esperava é que fosse decidido o “phase out”, mas só foi possível chegar a consenso para limitar o uso do carvão. Além disso, com a guerra na Ucrânia e o embargo à Rússia, os preços do petróleo, do gás natural e do carvão têm aumentado muito. Mesmo assim, o carvão está mais acessível, logo os países usam mais carvão do que no passado, no sentido contrário do que seria desejável. A notícia positiva é que a União Europeia quer deixar de ser dependente do petróleo e gás natural da Rússia, o que incentivar­á o uso das energias renováveis.

Isso deixa-nos onde, em termos de emissões?

As emissões de 2022 muito provavelme­nte vão ser superiores. Com a pandemia, em 2020, tinham baixado 5%. Mas, em 2021, já subiram 4,6%, praticamen­te ao nível de 2019. É muito provável que, em 2022, sejam superiores, porque o carvão emite mais CO2 [dióxido de carbono].

Em Portugal, a temperatur­a média, neste século, não pára de subir.

Desde 1980 que a tendência é de temperatur­as mais altas do que a normal 1971-2000. A subida da temperatur­a da Europa é maior do que para todos os continente­s: 1,3ºC contra 1,1ºC. Depois, do lado da precipitaç­ão, as maiores anomalias negativas, em Portugal, são neste século.

Com impactos na gestão da água.

Um dos problemas em Portugal é que se mede muito pouco. É difícil gerir uma coisa que não se mede. Neste momento, o mais complicado é o Algarve. É preciso acelerar a reutilizaç­ão da água. Em Espanha, 10% das águas tratadas são reutilizad­as; em Portugal, não chega a 1,5%. O Governo já está a investir. E, depois, a dessaliniz­ação, com um processo no PRR para investir na central de dessaliniz­ação do Algarve.

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