Do Fundão a Manhattan para lidar com os tempos mais agitados do planeta
Primeiro ano do segundo mandato como secretário-geral da ONU confronta António Guterres com os maiores desafios internacionais das últimas décadas
NAÇÕES UNIDAS António Guterres completa hoje o primeiro ano do segundo mandato como secretário-geral da ONU e reencontra-se com a agenda de sempre, desde que, em 2017, foi empossado para dirigir a organização sediada em Nova Iorque. Apanhou em cheio com os maiores reptos planetários das últimas décadas, os das guerras – na Síria, no Iémen, no Sudão, no Afeganistão ou a desencadeada pela Rússia na Ucrânia – e o da emergência climática, que ainda ontem o levou a fazer um vibrante apelo por “um futuro sem seca” [ler caixa].
O beirão de 73 anos (Fundão, 30.04.1949) apareceu na primeira página da “Time”, em 2019, a arregaçar as calças e com água pelos joelhos, a alertar para as alterações climáticas que fustigam o planeta. Continua a verificar as mesmas urgências, agravadas no último ano, o primeiro do segundo mandato, para que foi reconduzido a 18 de junho de 2021, após nomeação unânime da Assembleia-Geral da ONU.
Lá desde Manhattan e de “3 Sutton Place”, residência oficial do mais alto funcionário da ONU, Guterres observou nestes últimos 12 meses a escalada de todas as tensões, desde logo a consumada com a invasão da Ucrânia pela Rússia, após reiteradas ameaças de Moscovo e negociações diplomáticas frustradas, o que gerou diversas críticas ao ex-primeiro-ministro português (1995-2002).
Um ex-secretário-geral-adjunto da ONU, Franz Baumann, foi o mais corrosivo, ao acusar Guterres de “inacreditável passividade na iminência da guerra”. Guterres sentiu-se melindrado e denunciou as “declarações nocivas” para a ONU. E respondeu ao alemão: “Trabalho pela paz, com o objetivo de resgatar as pessoas e não para brilhar nos media”.
GUERRAS E REFUGIADOS
Se foi ou não por causa deste incidente, certo é que Guterres não demorou a viajar com destino à Rússia e à Ucrânia. Foi primeiro a Moscovo, a 26 de abril, para se encontrar com Putin. A ordem das viagens logo suscitou todas as suscetibilidades da parte de Zelensky, presidente da Ucrânia, também visitado, horas depois, em Kiev. Fosse como fosse – “Preso por ter cão ou não ter”, como observou Marcelo Rebelo de Sousa –, a ronda diplomática de Guterres só lhe serviu para verificar o facto consumado, de tal forma que não pôde deixar de admitir “o fracasso do Conselho de Segurança”.
No arranque deste segundo mandado à frente da ONU, o “moderador do Mundo”, como o apresenta a Carta das Nações Unidas, tem também de lidar com a crise dos refugiados, rente a nove milhões só na Ucrânia.
É outra das bandeiras e uma das ações mais caras ao português, que foi alto comissário para os Refugiados antes de chegar a secretário-geral da ONU. Em maio, durante um périplo pela África das guerras civis, apelou à solidariedade com povos deslocados e exortou às juntas militares que devolvam o poder aos povos do Mali, da Guiné Conacri e do Burkina Faso. Aqui, no ex-Alto Volta, um ataque terrorista ocorrido no fim de semana passado, a que os números oficiais atribuem 86 mortos, causou também a fuga forçada de 15 800 pessoas.
Vencedor, em fevereiro de 2021, de um prémio do Alto Comité da Fraternidade Humana, em reconhecimento do trabalho para os refugiados, Guterres doou a recompensa de um milhão de dólares (954 mil euros) ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
“O Conselho de Segurança falhou em fazer tudo o que estava ao seu alcance para prevenir e acabar com esta guerra. Esta é uma fonte de grande deceção, frustração e raiva”