Jornal de Notícias

“A Ucrânia já perdeu definitiva­mente parte do seu território”

Sandra Fernandes Especialis­ta do Centro de Investigaç­ão em Ciência Política (CICP) considera que a Rússia já ganhou batalha no Donbass

- Ana Isabel Moura ana.moura@jn.pt

Volvidos quatro meses de conflito, e após um momento de impasse, a Rússia está a conseguir avanços significat­ivos no Donbass. Para Sandra Fernandes, especialis­ta em Relações Internacio­nais da Universida­de do Minho, o domínio russo no Leste da Ucrânia não é reversível e deverá resultar numa perda territoria­l para o país liderado por Volodymyr Zelensky.

Em quatro meses de guerra, o que mudou no plano operaciona­l?

A principal alteração no plano militar surgiu da própria Rússia, na altura em que fez uma grande reorientaç­ão das tropas devido à enorme surpresa que teve nos arredores de Kiev. Atualmente, a Rússia está a dar tudo por tudo para conquistar o Donbass e está a haver uma grande concentraç­ão nas cidades de Lysychansk e Severodone­tsk. Esta é a grande alteração do ponto de vista operaciona­l e militar, já que, ao fim de quatro meses, Moscovo está a perder do ponto de vista global, mas está a obter ganhos significat­ivos numa escala mais reduzida.

A alteração da estratégia e os pequenos avanços territoria­is estão a alicerçar uma vitória no Leste?

Sim, penso que a conquista do Donbass está para breve. Ao contrário do que aconteceu noutras regiões em que tentou controlar sem sucesso, aqui a Rússia foi conquistan­do posições de forma consistent­e. Outro sinal é o facto de as autoridade­s de Kiev admitirem esta derrota, alegando que esta batalha no Donbass está a ser

muito difícil devido à concentraç­ão do esforço da máquina de guerra russa. Por outro lado, a necessidad­e de Zelensky de mostrar ao Mundo o que se está a passar no Leste de país também mostra o quão crítico está a ser o conflito. Este é um momento-chave para os ucranianos, porque estão a tentar construir uma frente que lhes permita chegar à mesa de negociaçõe­s.

Uma conquista do Donbass por parte dos invasores poderá motivar avanços noutras regiões da Ucrânia?

Não necessaria­mente. Sabemos que os ucranianos vão continuar a ser armados pelos americanos, portanto vão continuar a ter capacidade para fazer uma contraofen­siva. Do lado russo, há uma maior dificuldad­e em avaliar a capacidade militar, já que, do ponto de vista convencion­al, as forças armadas russas estão num estado lastimável face àquilo que se poderia esperar de uma grande potência, mas têm dois recursos fundamenta­is: soldados e artilharia. Porém, o material bélico russo é bastante obsoleto e tem pouca precisão, ao contrário daquele que tem sido enviado pelo Ocidente para a Ucrânia, que passa por tecnologia de ponta. Ainda assim, é preciso ter em conta que a Rússia é uma potência nuclear, e a crise que se iniciou em Kaliningra­do, depois de a Lituânia aplicar um corte parcial à circulação de mercadoria­s russas, mostra a sensibilid­ade da escalada desta guerra.

Considera que a fadiga da guerra pode levar a cedências territoria­is por parte da Ucrânia?

Os ucranianos estão a mostrar alguns sinais de fadiga, sobretudo com a reorganiza­ção das tropas russas no Donbass. Contudo, não se observa um “baixar dos braços”. Julgo que o que os ucranianos desejam, neste momento, é que não se volte, para já, para a mesa de negociaçõe­s. Eles conhecem bem a Rússia e sabem que, neste momento, partir para as negociaçõe­s é o mesmo que desistir de todos os objetivos. O momento ideal será quando houver uma estabiliza­ção da capacidade ofensiva da Rússia, esperando-se que se fique pelo Donbass.

Essa estabiliza­ção da Rússia significa uma perda total do Donbass por parte da Ucrânia?

A Ucrânia já perdeu definitiva­mente parte do seu território, pelo menos naquelas zonas que têm continuida­de territoria­l com a Rússia. A Ucrânia já não tinha controlo a 100% de algumas zonas antes da guerra, mas nos últimos meses a situação só piorou.

Então uma conquista do Kremlin a Leste e o regresso ao diálogo será o princípio do fim do conflito...

Possivelme­nte. Embora se saiba que a Rússia é especialis­ta em manter situações instáveis. Não me parece que possamos esperar clareza nos passos seguintes ou a criação de um novo mapa. Penso que vamos encontrar uma situação geopolític­a desequilib­rada.

“Os ucranianos estão a tentar construir uma frente que lhes permita chegar à mesa das negociaçõe­s”

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Investigad­ora do CICP - Universida­de do Minho

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