Primeiro a base
Os problemas que vieram a público na saúde tornaram claro que há debilidades estruturais do sistema que não são ultrapassadas com planos de contingência nem com o mero reforço de verbas. Esta ideia ficou mais evidente com o recente Relatório de Primavera do Observatório Português dos Sistemas de Saúde: apesar do aumento do número de profissionais nos últimos anos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), não se verificou um crescimento proporcional dos serviços prestados.
Importa recordar que, apesar de os cuidados de saúde primários serem supostamente a base de todo o sistema, parte do caos a que temos assistido nas urgências demonstra que isso não se verifica. Falhando na base, há um efeito cascata que coloca em causa o funcionamento regular dos hospitais. Há mais pessoas hoje sem médico de família do que quando o Governo PS tomou posse em 2015. À data, eram pouco mais de um milhão; hoje são mais de 1,3 milhões de pessoas. Não havendo resposta nos cuidados de saúde primários, os resultados estão à vista no caos dos hospitais.
A premência de retermos os profissionais de saúde no SNS, começando nos médicos de família, implica que olhemos para os atuais modelos de organização e para alguns dos bons exemplos que já estão implementados. Um desses casos são as Unidades de Saúde Familiar (USF) de tipo B, onde os profissionais de saúde têm uma remuneração com compensações pelo desempenho, nomeadamente pelos resultados em saúde. Comparando, por exemplo, os resultados em saúde dos doentes com diabetes e hipertensão controlada, nestas unidades a percentagem é superior a 80%, o que contrasta com os 30% de outro tipo de unidades. A aposta nas USF de tipo B tem sido apontada como uma forma de incentivar os profissionais de saúde a não saírem do SNS.
Um sistema alicerçado numa base frágil como a que atualmente temos não oferece garantias de sustentabilidade para os tempos que se avizinham. Com o envelhecimento da população, designado por tsunami demográfico, que continuará nas próximas décadas, haverá uma pressão cada vez maior nos serviços de saúde, com o risco brutal de aumento das desigualdades de acesso. Desigualdades geográficas, porque há regiões do país mais fustigadas por esta carência de recursos, mas sobretudo desigualdades económicas. Quem tem recursos conseguirá sempre solução. Não será por acaso que mais de três milhões de portugueses dispõem de um seguro de saúde (mais um milhão do que em 2015).
Não são as críticas para que haja reformas que colocam em causa o SNS, mas, sim, o atavismo de quem pretende – qual Lampedusa – mudar alguma coisa para que fique exatamente tudo igual.
A premência de retermos os profissionais de saúde no SNS, começando nos médicos de família, implica que olhemos para os atuais modelos de organização e para alguns dos bons exemplos que já estão implementados