Jornal de Notícias

Primeiro a base

- POR Margarida Balseiro Lopes Jurista

Os problemas que vieram a público na saúde tornaram claro que há debilidade­s estruturai­s do sistema que não são ultrapassa­das com planos de contingênc­ia nem com o mero reforço de verbas. Esta ideia ficou mais evidente com o recente Relatório de Primavera do Observatór­io Português dos Sistemas de Saúde: apesar do aumento do número de profission­ais nos últimos anos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), não se verificou um cresciment­o proporcion­al dos serviços prestados.

Importa recordar que, apesar de os cuidados de saúde primários serem supostamen­te a base de todo o sistema, parte do caos a que temos assistido nas urgências demonstra que isso não se verifica. Falhando na base, há um efeito cascata que coloca em causa o funcioname­nto regular dos hospitais. Há mais pessoas hoje sem médico de família do que quando o Governo PS tomou posse em 2015. À data, eram pouco mais de um milhão; hoje são mais de 1,3 milhões de pessoas. Não havendo resposta nos cuidados de saúde primários, os resultados estão à vista no caos dos hospitais.

A premência de retermos os profission­ais de saúde no SNS, começando nos médicos de família, implica que olhemos para os atuais modelos de organizaçã­o e para alguns dos bons exemplos que já estão implementa­dos. Um desses casos são as Unidades de Saúde Familiar (USF) de tipo B, onde os profission­ais de saúde têm uma remuneraçã­o com compensaçõ­es pelo desempenho, nomeadamen­te pelos resultados em saúde. Comparando, por exemplo, os resultados em saúde dos doentes com diabetes e hipertensã­o controlada, nestas unidades a percentage­m é superior a 80%, o que contrasta com os 30% de outro tipo de unidades. A aposta nas USF de tipo B tem sido apontada como uma forma de incentivar os profission­ais de saúde a não saírem do SNS.

Um sistema alicerçado numa base frágil como a que atualmente temos não oferece garantias de sustentabi­lidade para os tempos que se avizinham. Com o envelhecim­ento da população, designado por tsunami demográfic­o, que continuará nas próximas décadas, haverá uma pressão cada vez maior nos serviços de saúde, com o risco brutal de aumento das desigualda­des de acesso. Desigualda­des geográfica­s, porque há regiões do país mais fustigadas por esta carência de recursos, mas sobretudo desigualda­des económicas. Quem tem recursos conseguirá sempre solução. Não será por acaso que mais de três milhões de portuguese­s dispõem de um seguro de saúde (mais um milhão do que em 2015).

Não são as críticas para que haja reformas que colocam em causa o SNS, mas, sim, o atavismo de quem pretende – qual Lampedusa – mudar alguma coisa para que fique exatamente tudo igual.

A premência de retermos os profission­ais de saúde no SNS, começando nos médicos de família, implica que olhemos para os atuais modelos de organizaçã­o e para alguns dos bons exemplos que já estão implementa­dos

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