Idosos sobem ao palco com memórias da guerra colonial
Projeto cultural juntou recordações de várias pessoas e culminou em peça de teatro que é apresentada hoje
SANTO TIRSO “Esta chuvada de pedras que vê aqui não é senão uma reprodução do que se passou em Cabo Verde. Um dia, houve uma revoada de pedras contra os militares, numa praça”. A memória é de Manuel Cruz, que a guarda entre as histórias do “ano e meio” passado na guerra do Ultramar e quis partilhá-la na peça de teatro criada e representada por cerca de 40 idosos – entre utentes de um centro de dia e da Universidade Sénior – de Santo Tirso, após cinco meses de formação.
Em palco, as pedras são bolas de papel, e Manuel é o Soldado Mandrião, vestido a rigor para a encenação de “As nossas memórias”, apresentada hoje ao público na Fábrica de Santo Thyrso. “O nosso formador quis fazer um texto com as experiências que tínhamos tido nas ex-colónias. Fui imediato de um pelotão de fuzileiros, em Cabo Verde. O que vi lá? Fome, inclusive dos animais, poucas habilitações ”. As recordações do antigo tenente mobilizado na década de 70 emergem de rajada, numa quase urgência em narrá-las.
De volta a 2022, Manuel
Cândida Varela Atriz M60
“Como não temos treino no teatro, ficamos inseguros, sempre a pensar: “vou-me enganar”
Marlene Meireles
“A ideia é que [os participantes] tivessem uma vivência completa do teatro, desde o primeiro passo”
Cruz é um professor reformado de 74 anos e sem fantasmas da guerra. Voltou a envergar um camuflado para a encenação e, de espingarda de plástico nas mãos, jura: “Não fiquei traumatizado”. O fascínio pela representação ficara-lhe desde a experiência que teve em 2016, no INATEL do Porto, antes do AVC hemorrágico que o forçou a parar. Agora, volta a pisar o palco através da Universidade Sénior, que acedeu ao desafio da Companhia de Teatro Os Quatro Ventos, cujo serviço educativo desenvolveu o projeto “M60 – Geração à Frente”, com meio ano de formação em arte teatral.
Sob a batuta de formadores profissionais e dirigidos pelo encenador Pedro Ribeiro, a missão é levada a peito, com a atuação de cada ator revista e corrigida durante os ensaios. “O desafio do projeto era pô-los a fazer teatro, e não animá-los”, esclarece a coordenadora do M60, Ana Ribeiro. E é mesmo isso que faz Marlene Meireles, vibrar desde 2007, quando começou a colaborar com a companhia. “Chamam-me “a diva dos Quatro Ventos’”, conta. “Não tremo quando entro em palco. O Pedro Ribeiro diz que sou diplomada em improvisação”, ri.
Atriz Quatro Ventos
“Aqui, percebi o que as pessoas viveram, o sofrimento de quem foi à guerra e deixou cá a mãe e a família…”
Ana Ribeiro Coordenadora M60