Contratos coletivos perdem influência no aumento dos salários
Em 2009, melhorias tinham chegado ao dobro dos trabalhadores. Taxa de cobertura bate no fundo Nos governos de António Costa, a remuneração mínima subiu 31,7%, mas a média cresceu 15,5%
SALÁRIOS O número de trabalhadores que tiveram atualização salarial ao abrigo dos Instrumentos de Regulamentação Coletiva (IRC) está muito longe dos valores de outrora. No ano passado foram 641 231, o que é mais 31% do que em 2020 (488 482), primeiro ano de pandemia, mas é cerca de metade dos 1,3 milhões que tiveram atualizações em 2009. A menor dinâmica da contratação coletiva travou a subida do salário médio, ainda que algumas profissões do setor público, como os magistrados e os deputados, tenham registado aumentos consideráveis ler [texto ao lado].
A negociação coletiva é, por entendimento unânime, uma das formas de inflacionar a remuneração. Enquanto o salário mínimo sobe por decreto, as carreiras intermédias dependem da negociação. Os anos da troika foram os que tiveram maior efeito negativo no número de trabalhadores com atualização anual – até porque as portarias de extensão foram suspensas – mas a pandemia também influenciou.
A proporção de trabalhadores abrangidos pelos IRC também nunca foi tão baixa e esse é outro fator que explica a menor evolução do salário médio, comparativamente à remuneração mínima. A taxa de cobertura da negociação coletiva é de 85,1% dos trabalhadores, quando em 2010 era 92%. No relatório anual divulgado anteontem, a Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) classifica a taxa de cobertura como “elevada”, mas admite “uma relativa erosão deste indicador”.
A relação entre a contratação coletiva, salários e a Agenda do Trabalho Digno do Governo estão a ser alvo de um estudo do Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (coLABOR), presidido pelo ex-secretário-geral da CGTP-IN Manuel Carvalho da Silva. Ao JN, o dirigente revela que a realidade é mais preocupante do que aquela que os números revelam: “Além de haver uma brutal diminuição da cobertura da contratação coletiva, há uma perda qualitativa”. As novas cláusulas são “uma harmonização do retrocesso” e “o salário mínimo nacional vai transformar-se no salário nacional, que é o que já está a acontecer nos jovens”, conclui.
SINDICATOS PERDEM FORÇA
Para João Cerejeira, economista e docente da Universidade do Minho, “há uma tendência significativa de perda da capacidade sindical” que não está a dar resposta “a novas profissões onde o emprego tem crescido”, como as do mercado digital “onde não existem instrumentos de regulamentação coletiva, sindicatos ou associações patronais”.
A socióloga Maria da Paz Campos Lima lembra que o período da troika gerou desemprego “em setores com mais trabalhadores qualificados”, como o bancário, mas entretanto “quando o emprego se recupera já não é esse, é o emprego dos setores de baixos salários, no turismo e na restauração”.
Este fenómeno ajuda a explicar porque é que no pós-troika a subida do salário médio não acompanhou a remuneração mínima. Entre 2015 e 2021, período dos três governos de António Costa, o salário mínimo subiu 31,7%, de 505 para 665 euros (em 2022 é de 705 euros). Já a remuneração média mensal bruta, que inclui o público e o privado, subiu 15,5%, de 1179 para 1362 euros, segundo o INE.
ESTADO DEVE DAR EXEMPLO
No início deste mês, António Costa prometeu “um esforço” para conseguir um “aumento de 20% do salário médio” nos “próximos quatro anos”. Contudo, vários especialistas avisam que o ónus não pode recair apenas sobre os privados.
“O setor público é absolutamente crucial porque concorre para a média e porque tem um efeito de arrastamento”, diz Maria da Paz Campos Lima, que avisa que aumentos como o de 0,9% de 2022 “não serão suficientes” para atingir os 20% de subida pretendida.
João Cerejeira concorda e calcula que o Estado tem influência direta ou indireta “em 22%” do total da massa salarial nacional: “É uma inconsistência grande quando o Governo coloca metas para o privado que não coloca para o público”.
Nos últimos seis anos, o salário médio bruto da Função Pública passou de 1695 para 1913 euros – um aumento de 218 euros (12,9%). A média do privado está em 1245 euros, mais 186 euros (17,6%) do que os 1059 euros de 2015.
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