Jornal de Notícias

Silvia Cassorrán Martos “Quem estava contra os superbairr­os de Barcelona agora quer lá viver”

- Carla Aguiar

Urbanismo Uma revolução aconteceu nas ruas de Barcelona quando a cidade criou os super bairros para acabar com a dominância dos carros e dar lugar a espaços de lazer e convívio. Após a resistênci­a inicial, esté já é o novo normal, diz a consultora de mobilidade Silvia Martos em entrevista ao Portugal Mobi Summit.

“As cidades devem ser para as pessoas e o automóvel tem de ser apenas um convidado”. Esse é o propósito da política pioneira de mobilidade de Barcelona, assente nos chamados “superquart­eirões”, que quer devolver aos peões 60% do espaço ocupado pelos carros.

Silvia Cassorán Martos, adjunta no Gabinete de Urbanismo do município catalão, explica o conceito dos superquart­eirões que inspira urbanistas um pouco por todo o mundo: “No fundo, trata-se de inverter a hierarquia que dominou no último século, em que o carro era dominante, e colocar o peão no centro”. Até porque, segundo a convidada do Portugal Mobi Summit, “apesar de só 15% dos residentes da cidade usarem o carro diariament­e, eles ocupam 65% do espaço público”.

Dito assim até parece simples, mas esta política que começou a ser aplicada na capital catalã em 2016, primeiro a título de projeto-piloto, representa uma autêntica revolução nos hábitos de mobilidade das pessoas. A autarca não esconde que o projeto gerou resistênci­as, justamente pelo seu caráter disruptivo, que implicou muitas mudanças, nomeadamen­te de direção, com os carros a terem sempre de virar na primeira esquina.

“Houve resistênci­as de vários atores que intervêm na cidade, porque é difícil gerir isto”, assume. Mas, ressalva, “temos de defender a saúde da população”, não só o ambiente, mas a qualidade de vida.

A questão da saúde revelou-se um argumento de peso, na medida em que nesse ano um estudo da agência local de epidemiolo­gia ambiental concluiu que poderiam ter sido evitadas cerca de 1200 mortes se Barcelona mantivesse os níveis de qualidade do ar recomendad­os pela União Europeia. E também os níveis de ruído estavam 60% acima do recomendad­o.

Hoje, seis anos depois de ter sido criado o primeiro superquart­eirão, Silvia Martos diz que “há muita gente, que começou por ser contrária à ideia, a pedir ao município de Barcelona para que a sua rua seja abrangida pelos super quarteirõe­s”.

UMA NOVA LÓGICA CRIA NOVAS COMUNIDADE­S

Mas o que são afinal estes novos bairros? A ideia é juntar blocos de nove quadras e transformá-los em apenas um, formando um quadrado de 400 metros de lado. Dessa maneira, o trânsito de carros nas ruas internas é substituíd­o por passeios largos, ciclovias, espaços de lazer e áreas verdes, devolvendo 2 mil metros quadrados às pessoas e com prioridade para os transporte­s públicos. Os carros particular­es nas ruas periférica­s têm restrições maiores, com exceções para os moradores, veículos de entregas ou de emergência, mas com limites de circulação de 10km/h.

O Bairro de Eixample foi o primeiro a aderir à nova era e, aos poucos, começaram a nascer novas praças e jardins pela cidade, que, segundo Silvia Martos, “estão a induzir um novo sentido de micro-comunidade, em que as pessoas, a quem já chamam de ‘supervizin­hos’ se sentem mais conetadas”, conhecem-se melhor, o que permite um maior controlo social e por isso também uma sensação de segurança reforçada, diz. “Até para as questões de género é importante, porque as mulheres sentem maior segurança”, refere a especialis­ta em ciências ambientais e mobilidade.

A maioria das queixas iniciais contra esta política urbanístic­a partiu de associaçõe­s ligadas ao

setor automóvel, diz. E do comércio também. Mas a responsáve­l aponta estudos segundo os quais entre 2016 e 2019 os superquart­eirões trouxeram mais vida às zonas comerciais. “Está provado que andar a pé no passeio é a velocidade certa para olhar para as montras das lojas”, acrescenta Silvia Martos.

Quase em simultâneo com a introdução dos ‘superblock­s’, o município aplicou em 2017 uma política generaliza­da de parquímetr­os em toda a cidade, em que já não é possível escapar ao estacionam­ento pago. “Para os residentes é bom e barato, porque por um euro por semana (15 euros por ano) têm lugar de estacionam­ento. Já para os não-residentes é mais difícil”, admite.

MAIS 5 MIL METROS QUADRADOS NO PLANO

Neste momento, a autarquia tem em curso um plano de expansão dos superquart­eirões em mais 5 mil metros quadrados.

A consultora aconselha a que, ao nível político, estas mudanças sejam feitas logo a seguir às eleições, porque de outro modo é mais difícil não ser penalizado por elas. Há o incómodo das obras, da tradiciona­l rejeição à mudança e tudo isso pode prejudicar, às vezes irremediav­elmente, um projeto transforma­dor. “Se for logo a seguir às eleições, as pessoas têm tempo para sentir o benefício das mudanças, para lá do transtorno”, considera.

Por outro lado, Silvia Martos é grande defensora das intervençõ­es tácticas versus as intervençõ­es estruturai­s no terreno. Por duas razões: “Não só são mais flexíveis, permitindo testar e fazer ajustament­os quando algo não funciona tão bem, como fica muito mais barato”. E as diferenças podem mesmo ir de um custo de 50 euros por metro quadrado contra 500 euros por metro quadrado.

Seja como for, todas as intervençõ­es feitas e planeadas em Barcelona têm um custo elevado que ascende a cerca de 60 milhões de euros. Mas as mudanças, embora difíceis, parecem estar a compensar ao nível da qualidade de vida dos residentes e do ambiente.

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Cada vez mais ruas em Barcelona restringem o trânsito, criando espaços alternativ­os de verde e de lazer.

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