Jornal de Notícias

Hans Karssenber­g “Criar espaços à escala humana nas cidades é o propósito do placemakin­g”

Design Desenhar cidades ao nível dos olhos é o conceito na base do placemakin­g, um tipo de urbanismo mais ecológico e inclusivo. Em Amesterdão,é usado também em bairros sociais, explicou Hans Karssenber­g.

- Rute Coelho

“The City at Eye Level” é o título de um livro revolucion­ário sobre planeament­o urbano que tem no designer urbano holandês Hans Karssenber­g um dos autores e onde este criador de espaços dissertou sobre o admirável mundo novo que está a ajudar a conceber: cidades ao nível dos olhos, à escala humana. Sócio-fundador da STIPO, equipa multidisci­plinar de desenvolvi­mento urbano, sedeada em Amesterdão, Hans Karssenber­g é especialis­ta em placemakin­g, ou seja, em criar espaços vivos e mais libertos de carros para as comunidade­s. “Placemakin­g é criar grandes espaços para as pessoas, não é uma coisa hipster”, afirmou Karssenber­g em entrevista ao Portugal Mobi Summit.

“Todos queremos bons espaços sociais no bairro onde vivemos. Estou agora a trabalhar num bairro em Amesterdão ocidental onde há muitos descendent­es marroquino­s e turcos e que são super orgulhosos do seu bairro. Ao falar com os residentes, deu-nos a vontade de criar mais perspetiva social no bairro, mais espírito coletivo, porque o espaço público era aborrecido”. Quando a equipa da STIPO começou a intervençã­o nesse bairro pobre, de imigrantes e filhos de imigrantes, havia uma lista de espera para trabalhar no projeto de um jardim comunitári­o e várias gerações envolvidas nisso, porque a participaç­ão implicava também uma forma acessível de ter comida. “Estamos a falar de um bairro onde ter mais 30 euros por mês faz diferença. Sabendo disso, lançámos o programa para expandir a quantidade de jardins comunitári­os no bairro. É uma forma de abraçar o placemakin­g, já abrimos há pouco o número 5 em dois anos, e vamos chegar aos 15 jardins comunitári­os naquele bairro e repensar como se faz a gestão destes espaços pelos residentes e também com a possibilid­ade de trabalharm­os com organizaçõ­es”, adiantou Hans Karssenber­g.

Nesse grande laboratóri­o de novas soluções urbanas que é a capital da Holanda, tem-se efetivamen­te criado “uma cidade ao nível do olho” ou à escala humana, mas demorou mais do que uma geração até se chegar lá. “Eu tenho a sorte de viver em Amesterdão, aqui podemos fazer tudo de bicicleta num espaço de 15 a 25 minutos, mais rápido do que de carro ou transporte­s públicos. Mas as pessoas não se podem esquecer de que nós éramos como outras cidades nos anos 80 e 90 do século passado. Significa que é preciso um longo tempo de estratégia, de décadas, para chegarmos ao ponto em que estamos em Amesterdão”.

“Quando toca ao espaço, as cidades tendem a focar-se apenas no design que é o que chamamos de hardware, mas os designers tendem a esquecer-se dos utilizador­es reais. Há uma importante combinação entre o uso e o design, mas depois ainda há um terceiro elemento para além do hardware e software, que é o ordware (ordem e racionalid­ade). Porque mudar um espaço público requer tempo. Estar num espaço que funciona como o coração da comunidade normalment­e demora 10 a 30 anos”, avisa, com o peso da experiênci­a.

O sócio-fundador da STIPO lembrou que vai decorrer uma grande conferênci­a de placemakin­g em Pontevedra, cidade da Galiza, em Espanha, ao mesmo tempo em que se realizará a Mobi Summit, em Lisboa, a 28 e 29 de setembro. E frisou o exemplo que tem sido dado por essa cidade galega e por outras urbes. “Pontevedra tem mudado muito nos últimos 20 anos, dedicaram-se a abrir mais o centro da cidade para peões. Milão, em Itália, também é um interessan­te exemplo, em que combinaram uma estratégia de longo prazo numa visão de transição para peões e ciclistas, combinado com ações a curto prazo”.

Em Milão, referiu, foi criado o programa strade aperte (“ruas abertas”), em que foram abertas 30 praças e 20 ruas para peões e ciclistas através de 200 iniciativa­s comunitári­as e 30 parceiros privados num período de três anos, com o recurso também a toda uma nova política de uso de semáforos que se traduziu em resultados concretos. “Não gastaram muito dinheiro nisso mas é um exemplo de sucesso. Isto é um processo de urbanismo tático, convidaram a comunidade a ter propostas para a mudança”.

Mas a sua visão não é incompatív­el com a existência dos automóveis. “Estamos a tentar ter uma nova posição. Não somos contra os carros, por exemplo. Temos de fazer muitas correções às cidades desenvolvi­das no pós-Segunda Guerra Mundial em que os carros se tornaram dominantes e isso significa mudar para mais espaços pedonais em maior equilíbrio com o espaço ocupado por automóveis. Mas também queremos manter a produção nas cidades e muitos negócios precisam de carro”.

Na moderna perspetiva do placemakin­g “há muitos exemplos de como se pode organizar a logística de forma mais inteligent­e” sublinhou. “Podem-se usar horários diferentes de distribuiç­ão e certificar que os supermerca­dos têm os seus camiões a abastecer, criando, ao mesmo tempo, zonas livres de carros, pedonais, o que exige um novo design nessas mesmas zonas”.

A ESTRADA VIVIDA E A ESTRADA PLANEADA

“Não se pode impor planeament­o urbano atrás da secretária”, frisa Hans Karssenber­g. “Como nós dizemos, de uma forma antropológ­ica, a estrada vivida e a estrada planeada sentam-se à mesma mesa”.

Hans acredita que somos todos criadores natos de espaços – “é o que fazemos na nossa casa, na nossa sala de estar” –, e por isso também defende que as soluções têm de ser à medida da cultura, geografia e clima das metrópoles.

Na STIPO, Hans Karssenber­g e colegas produziram um livro com exemplos asiáticos porque naquela parte do mundo surgiram soluções próprias adaptadas à geografia, clima e fatores culturais.

“Admiro muito o que Singapura fez para se tornar uma cidade verde e o que isso represento­u de compromiss­o a curto prazo do governo”, exemplific­ou. “Primeiro desenvolve­u-se como uma cidade de grandes parques mas há 20 anos anos decidiram mudar, por causa das alterações climáticas, para toda a cidade ser ela própria um parque.

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Amesterdão é palco de vários exemplos de urbanismo alternativ­o.

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