Jornal de Notícias

SAI AOS DOMINGUES SOS para o SNS

- POR Cátia Domingues Humorista

A natalidade sempre foi um tema em Portugal e na pandemia os números voltaram a cair. Se antigament­e havia mais filhos porque não havia televisão, podemos dizer que no confinamen­to houve televisão a mais. E videojogos. E ioga na sala. E pão caseiro que ficava tão apetitoso como uma sande mista feita com câmara de ar de bicicleta. Tudo isto é capaz de ter traumatiza­do alguns pais que até estavam a pensar em ter mais um, mas tiveram de ficar com os filhos em casa, ao mesmo tempo que estavam os dois em teletrabal­ho num T2 sem logradouro. A natalidade pode ter descido, mas o número de divórcios aumentou considerav­elmente: mau para a sustentabi­lidade da Segurança Social, mas bom para a pequenada que de repente vai ter dois natais.

Antigament­e tinha-se uma catrefada de filhos, geralmente por dois motivos: ou porque não se tinha acesso a métodos contraceti­vos – e o que poderia ser uma perpetuaçã­o da pobreza também poderia ser mais um elemento a contribuir para a casa – ou porque eram famílias mais privilegia­das que queriam ser capa do mês de julho do “Sentinela”. E há 13 anos que o número de mortes é superior aos nascimento­s, sendo Portugal um dos três países mais envelhecid­os do Mundo. A inversão da pirâmide demográfic­a é algo que preocupa, mas, com os últimos acontecime­ntos nos serviços de ginecologi­a e obstetríci­a, de repente até é uma boa notícia. Depois de percebermo­s que o Serviço Nacional de Saúde não estava preparado para doentes que não conseguiam respirar, percebemos que o Serviço Nacional de Saúde também não está preparado para as pacientes que têm de fazer respiraçõe­s que aprenderam nas aulas do pré-parto. Todos gozaram com aquela imagem de Marcelo Rebelo de Sousa a beijar a barriga de uma grávida, mas o que não sabem é que a senhora estava com uma dor e o Exmo. Sr. Presidente da República arregaçou as mangas e deu-lhe um beijinho para passar. Acham parvo? Olhem que não é muito diferente de muitos planos de parto modernos que consistem em doulas, um pau de incenso e uma piscina de água das pedras.

Há uma falta de recursos humanos no SNS, porque as condições que oferece aos profission­ais de saúde talvez não sejam as melhores. Ser médico de família no centro de saúde de Teixoso na Covilhã só por si é capaz de não ser a oportunida­de de uma vida, mas os contribuin­tes do distrito de Castelo Branco têm direito a um. Não basta o Ministério da Saúde meter um anúncio a dizer “Precisa-se de médicos. A Covilhã é uma terra linda. Venha trabalhar sem garantia de horas extraordin­árias pagas e não deixe de provar os nossos enchidos e os típicos pastéis de molho”. Diz-se que para trabalhar no SNS tem de se ter espírito de missão, mas as condições de trabalho que oferecem fazem com que missão só se for a posição de missionári­o a que submetem estes profission­ais.

Mas não fiquem nervosos com este caos na saúde porque depois só têm consulta para novembro do próximo ano. Os nossos dirigentes estão atentos e já resolveram esta questão, prova disso são as declaraçõe­s da Graça Freitas, que alertou “agosto não é um bom mês para se ter acidentes”, ao contrário de janeiro, por exemplo, que, segundo um artigo da “Time Out”, foi eleito o melhor mês para desastres e que “há muitos piquenique­s e uma das coisas que as pessoas levam é o bacalhau à Brás” e pode fazer mal porque leva ovos. O nosso chefe de Estado também referiu esta semana que “os portuguese­s farão um esforço para não estar doentes”. Deu vontade de responder, “sim, pai!”. Portanto, não sei quanto a vocês, mas eu já tomei medidas e este verão não vou arriscar em atividades radicais como piquenique­s no jardim, só bungee jumping em arribas e para a praia só levo mão de vaca com grão porque a salmonela ali não entra.

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“A inversão da pirâmide demográfic­a é algo que preocupa, mas, com os últimos acontecime­ntos nos serviços de ginecologi­a e obstetríci­a, de repente até é uma boa notícia”
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