As rimas da História
A História nunca se repete, mas rima muitas vezes. A frase costuma ser atribuída ao escritor americano Mark Twain (pelo menos as gerações mais velhas hão de lembrar-se das aventuras de Tom Sawyer e Huckleberry Finn). E ainda que haja dúvidas sobre a autoria, o aforismo é certeiro. Como se confirma nos dias que correm, em que sucessivas cimeiras descrevem um Mundo que entra, de novo, na guerra fria. De um lado, o chamado mundo ocidental (a que Portugal pertence por geografia, cultura e convicção democrática); do outro, a Rússia (cada vez mais próxima de uma ditadura czarista) e a China (uma ditadura comunista e capitalista).
Um dos efeitos mais evidentes da invasão russa da Ucrânia (com o seu catálogo de destruição e morte) é o renascimento da NATO, que foi um instrumento fundamental da primeira guerra fria (período entre o fim da II Guerra Mundial e a implosão do império soviético, para o caso de o leitor já ter nascido no século XXI). A NATO, que agonizava sem rumo (e aparentemente sem inimigos), tem de novo um objetivo (conter as ambições imperiais sanguinárias do nacionalismo russo) e volta a ser popular (entre as populações dos países que já faziam parte, mas também dos que se mantiveram neutrais nos tempos quentes da outra guerra fria). Entre as decisões da cimeira de Madrid deverá sair o compromisso de passar de 40 mil para 300 mil o número de militares em estado de prontidão. Ou seja, prontos para combater a qualquer momento. Com o que isso significa de treino e equipamento e representa em termos de custos para os contribuintes. Uma mudança que também afetará Portugal. Mesmo que pareça impossível multiplicar por sete o nosso contingente às ordens da NATO (seriam precisos 12 mil militares bem armados, meia centena de aeronaves, sete navios de guerra e mais de duas mil viaturas táticas, que o país não tem), haverá nos próximos anos uma fatura maior para pagar. A guerra fria ficará cara. Mas ainda mais cara seria a paz dos cemitérios. Se é preciso escolher um lado, que seja o que acolhe as democracias. Por imperfeitas que sejam, serão sempre melhores que autocracias e ditaduras.