Juntos por um Verão Pateta 2022
Agora que passaram uns dias desde que Graça Freitas falou aos comedores de bacalhau à Brás, talvez já tenha havido tempo para ouvirmos a pregação na íntegra.
Eloquentes à sua maneira, são trinta minutos de alguém com “um medo que nem imaginam de praias fluviais”, por as associar a afogamentos de jovens, e que se compadece das pessoas que têm a pouca sorte de adoecer em férias, portanto “fora do habitat natural”.
Eis, pois, trinta minutos de uma pessoa bem-intencionadamente preocupada com a boa comunicação que se esqueceu de que a comunicação boa, para ser institucional, deve ser também inócua quanto baste.
Mas antes de falar de garrafas de água nas urgências, e do medo que se pela das praias fluviais – cautela nas barragens –, e da salmonela como o segredo escondido do bacalhau à Brás, e da pior coisa que nos pode acontecer, que é adoecermos em Agosto, Graça Freitas expôs uma certa mundividência.
Como preâmbulo à apresentação das directrizes do programa «Juntos por um Verão Seguro 2022» na Casa dos Patudos – que é o lar de todos nós, os portugueses –, Graça Freitas falou sobre as lições da pandemia.
Se o cidadão “compreender o que lhe está a ser pedido”, à semelhança do que se passou na pandemia, pode tornar-se um “actor importante das soluções que queremos encontrar”. De outra maneira: o cidadão deve ser “um actor activo das soluções”.
Se formos valentes actores activos, se formarmos um verdadeiro “movimento organizado de cidadãos”, aligeiraremos o SNS a montante, e o rio dos nossos padecimentos não inundará a assistência médica.
Isto até parece bonito – é demasiado pensamento mágico para não ter qualquer tipo de beleza –, e não contesto que a aposta na comunicação clara seja importante, mas há também nisto, se já agora quisermos ser exigentes, algo de mentira, algo de paternalismo e algo de cínico.
Por um lado, o tal movimento de cidadãos que “permitiu, em determinadas alturas críticas, controlar a pandemia”, embora exemplar aqui e ali, foi primeiro resultado do medo e depois das imposições de controlo sanitário. Em resumo, foi estado de emergência.
Por outro, Graça Freitas quer apresentar a pandemia – situação excepcional – como pedra-de-toque para uma situação ordinária como a mudança de estação. Neste contexto corriqueiro, pregar cautelas e caldos de galinha não passa de mais uma bela demonstração de paternalismo.
E por último há algo de cínico, numa altura em que o SNS é criticado, em falar de profilaxia. Claro que quanto menos salmonelas comermos, quanto mais água bebermos quando está calor, quanto melhor nos agasalharmos durante o frio, e se evitarmos ser atropelados e nos afastarmos das praias fluviais, mais aliviamos as urgências. Mas a vida, já sabemos, é muito perigosa, e não há profilaxia que nos livre de algum resfriado.
Restam-nos as recomendações patetas. Tão patetas e maternais, que fiquei muito surpreso na semana passada – quando estive dias fechado num quarto em Cabo Verde com uma amigdalite selvagem – que Graça Freitas não me tivesse batido à porta para dizer: meu menino, eu não tinha avisado que não era suposto adoeceres fora do teu habitat natural?