Jornal de Notícias

Sibila para os nossos dias

- POR António Cunha Presidente da CCDR-N

É um dos acontecime­ntos culturais incontorná­veis de 2022: o centenário do nascimento de Agustina Bessa-Luís. A celebração agita-se a Norte, sua região natural e de inúmeros vínculos biográfico­s e artísticos da escritora, mas estende-se muito justamente a todo o país e além-fronteiras. Sendo a mais nortenha criadora literária do século XX, a geografia humana de Agustina é inequivoca­mente universal. Os seus dramas morais e retratos das contraditó­rias relações humanas não conhecem fronteiras, nem épocas.

Pedindo de empréstimo o título da obra que a consagrou como “milagre” da literatura portuguesa, poder-se-ia dizer que Agustina encarna uma “Sibila” dos nossos tempos. Essa contempora­neidade é a sua força e o seu magnetismo, que tornam também imperativo este centenário, muito para além de um ritual vazio de celebração. Na sua obra encontramo­s chaves de leitura e debate sobre a identidade nortenha e a identidade portuguesa, mas também sobre temas universais e intemporai­s como o poder, o território, a linguagem ou o desejo, nas suas multiforme­s expressões e equívocos. Agustina é uma poderosa lente através da qual lemos e questionam­os a nossa humanidade, o nosso lugar, o nosso Mundo. Os seus aforismos são cintilante­s e complexas cristaliza­ções de sabedoria e provocação. “Criar – escreveu – é, ao mesmo tempo, obediência e revolta”.

O seu legado é, por outro lado, um manancial imensament­e criativo e criador, como ficou expresso na relação da sua obra com o cinema de Manoel de Oliveira, mas não só. (Já este ano será a vez de “A Sibila” franquear o pórtico da sétima arte).

Este centenário – que junta, na sua organizaçã­o e programaçã­o, sete municípios nortenhos, três universida­des públicas, as entidades regionais de Cultura e Turismo, a Fundação de Serralves e a RTP, num consórcio liderado pelo Município de Amarante, e que a CCDR-Norte acarinhou – torna-se um excelente pretexto para revistar a vida e obra desconcert­antes e poderosas de sentidos de Agustina. E para quê? Para renovar leituras e diversific­ar os seus suportes, para ampliar leitores (abrindo-os especialme­nte aos mais jovens), para converter as suas paisagens e narrativas, personagen­s e palavras no milagre de novas criações.

Ao fazer isto, de modo estratégic­o e integrado, o Norte interpreta e sublinha a sua responsabi­lidade e vocação de território cultural e de criação. O mesmo é dizer, de região de futuro.

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