Falar sobre as mulheres
Esta é a semana dos oceanos, mas apetece-me escrever sobre as mulheres. Várias circunstâncias justificam esta minha preferência.
Em primeiro lugar, a decisão do Supremo Tribunal Federal dos EUA que aboliu o direito das mulheres à interrupção voluntária da gravidez. Há hoje debates acesos, jurídico-políticos, sobre se este é um direito que deva ser constitucionalmente protegido. E outros, de natureza moral, ética e religiosa, que opõem o direito a nascer, ou à vida, ao direito das mulheres a fazerem escolhas com implicações para sempre nas suas vidas. É interessante seguir estes debates mas, em minha opinião, a decisão do Supremo representa uma regressão na proteção dos direitos das mulheres.
Depois, morreu Paula Rego. Dizia-se uma mulher tímida, mas tinha uma excecional capacidade de, pintando, denunciar situações de humilhação, de submissão, de indignidade que afetam a vida de muitas mulheres. No seu caminho parou em todos os cantos obscuros e enfrentou a vergonha, o medo, os não ditos. Designadamente, o aborto clandestino. Os seus quadros silenciosos são gritos de afirmação política de defesa dos direitos das mulheres, de afirmação de espaços de liberdade e de vozes femininas insubmissas.
Finalmente, passam 50 anos sobre a publicação do livro “Novas cartas portuguesas”, de Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno. Em 1972, este livro, proibido pela censura, foi decisivo para a revelação da situação de menoridade das mulheres perante a lei, da hipocrisia associada ao aborto clandestino e à criminalização das mulheres, da violência doméstica e do confinamento das mulheres ao espaço doméstico. As alterações ao Código Civil, logo em 1975, a aprovação da Constituição, em 1976, e o novo Código Civil, em 1977, permitiram estabelecer, na letra da lei, a igualdade entre homens e mulheres. Mas a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez apenas se concretizou em 2007. A violência doméstica sobre mulheres e crianças continua a ser um problema dramático. E o acesso das mulheres ao espaço público, aos lugares de liderança e à igualdade de condições de trabalho e de remuneração segue a passo de caracol.
Quando vi, nos telejornais, a formação das mesas das sessões de abertura e as fotos de família da Conferência dos Oceanos – homens, apenas homens – confirmei a necessidade de continuar a falar sobre as mulheres e lembrar que as conquistas resultam de uma intervenção e participação continuadas no tempo, sabendo-se que os resultados nunca estão garantidos para sempre.
A violência doméstica sobre mulheres e crianças continua a ser um problema dramático. E o acesso das mulheres ao espaço público, aos lugares de liderança e à igualdade de condições de trabalho e de remuneração segue a passo de caracol