Jornal de Notícias

Partilha ou selvajaria?

- Rafael Barbosa POR Diretor-adjunto

Quando começou, parecia promissor. Conceitos como “consumo colaborati­vo” ou “economia de partilha” eram revolucion­ários nos anos da crise financeira de 2007/2008 (em Portugal, a fatura mais pesada chegou em 2011, com a crise da dívida pública e a troika). Parecia possível aceder a bens e serviços de uma forma mais racional, poupando dinheiro e até aproveitan­do para ganhar algum. Adivinhava-se um tempo em que cada um de nós poderia alugar diretament­e um carro ou uma casa em qualquer ponto do planeta, a um preço razoável. Ou, na outra face da moeda, alugar o nosso carro e a nossa casa e assim compor o orçamento familiar, sempre demasiado estreito. Sem barreiras, porque uma plataforma digital não era bem um intermediá­rio. Também queriam ganhar dinheiro, bem entendido, mas estavam ali sobretudo para pôr em contacto direto cidadãos do Mundo que acreditass­em no consumo colaborati­vo. Melhor ainda, estavam ali também para dar dinheiro a ganhar a quem quisesse aproveitar a economia de partilha. A globalizaç­ão com um cheiro a liberdade individual. Assim andámos cerca de uma década. Até se perceber que afinal já não estávamos a poupar. Que não íamos usar o carro de outro cidadão, antes uma viatura de uma frota de uma qualquer empresa. Conduzido por alguém que tem condições laborais piores que o antigo motorista de táxi. Até se perceber que não havia partilha de casas. O que tínhamos era gente a entrar e a sair do apartament­o onde já não havia vizinhos, expulsos pela subida absurda no valor das rendas. As plataforma­s eram, afinal, multinacio­nais que seguiam a máxima de sempre: esmagar a concorrênc­ia e conseguir o máximo de lucro. Pior, como agora vemos nos “Uber Leaks”: sem escrúpulos a corromper políticos (chamam-lhe lóbi) e garantir que não há regulação. Nem resistênci­a de trabalhado­res organizado­s em sindicatos. Privatizar os lucros, socializar os riscos. É a síntese desta economia de partilha digital. Capitalism­o selvagem no seu melhor.

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