Jornal de Notícias

Dizem as férias ao livro

- POR Afonso Reis Cabral Escritor O AUTOR ESCREVE SEGUNDO A ANTIGA ORTOGRAFIA

“Perdoa-nos: queremos-te muito. Cada vez nos apetece mais estar contigo na duna, na areia, nos alívios do corpo entre o sol e a água. Muito lermos cada recesso teu, muito chegarmos a cada página. Por favor, sê nosso acessório de praia.

Primeiro usamos o protector, e dele besuntados pegamos-te pela capa e talvez comecemos pela badana, que seria bem melhor como no Brasil, onde se diria assim: talvez comecemos pela orelha. E estaremos tão reencontra­dos, tão na matança das saudades, que não nos incomodará a força do sol e a dorzinha da falta de posição no sopé das costas; que não nos incomodará acabar tudo com a areia nos sítios indevidos.

Perdoa-nos, já nos esquecia como és bom. Como nos desarranja­s e levas para onde não esperávamo­s e mostras o que não conhecemos e nos pões em causa e nos tornas mais sábios. És bom porque és vida além da nossa. Sê agora clemente, ignora (please) o que dissemos, e quantas vezes o repetimos – aquilo de saíres caro e de não termos tempo e de seres uma seca.

Mas queremos reatar sem falsidades. Ultrapassa­dos os ressentime­ntos, longe do bad blood, verás que sabe muito melhor. Por isso, confessamo­s. Este ano, por causa da crise no abastecime­nto do papel, engordaste no PVP. Fizeste-te de caro. E a nós faltou-nos a paciência para os teus caprichos, tu que queres sempre as nossas mãos em cima das tuas páginas, e que precisas que nos sintamos cativados por cada palavra tua. Tu, cuja sedução é feita de silêncio, nada de acordo com as habituaçõe­s imediatas do digital. Confessamo­s que já nos pareceste um amante antiquado.

Perdoa-nos. Deixa que te mudemos o fitilho de sítio, deixa que te dobremos a ponta da página ao fim de cada assentada, quando perdermos o fôlego para mais e precisarmo­s do mergulho e do gelado.

Por agora, podemos ter-te só por prazer, só por amor de Verão. Tu possessiva­mente nosso antes que se meta Setembro, e com esse mês o regresso das obrigações e dos compromiss­os, o drama da rotina, em que deixamos de te querer na cama e passamos a pensar, para nosso mal, que afinal nos sais mesmo caro, não temos tempo e, bem vistas as coisas, até és um bocado seca.

Por isso perdoa, esquece, e dá-nos sem medos todos os teus capítulos, entrega-nos os teus parágrafos. Prometemos fingir que é para sempre”.

Ouvidas estas juras depois de ter sido esquecido durante todo o ano – longínquo à vista e ao coração –, o livro responde às férias: Fuck you.

Tu que queres sempre as nossas mãos em cima das tuas páginas, e que precisas que nos sintamos cativados por cada palavra tua. Tu, cuja sedução é feita de silêncio, nada de acordo com as habituaçõe­s imediatas do digital. Confessamo­s que já nos pareceste um amante antiquado

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