“Foi a escrita que me salvou a vida”
Chris Whitaker Escritor britânico estreia-se em Portugal com “O fim é o princípio”, romance que a Disney vai adaptar a série
A história de uma pequena povoação nos confins da Califórnia que vê a sua tranquilidade interrompida com a libertação de um prisioneiro atirou Chris Whitaker para o primeiro plano literário. Galardoado com o Gold Dagger Award, “O fim é o princípio” centra-se numa adolescente que, apesar de se intitular fora da lei, revela um sentido de justiça e resistência absolutamente incomuns. Já com os direitos para televisão comprados pela Disney, o livro permitiu a Whitaker dedicar-se à escrita a tempo inteiro. Algo com que o jovem autor confessa nunca ter sonhado sequer.
Este é o seu terceiro livro, mas apenas o primeiro a ser publicado em Portugal. Como intitula o seu novo romance, por vezes “o fim é o princípio”?
Creio que sim. Tecnicamente, até é o meu primeiro livro, porque foi por aí que me iniciei na escrita, apesar de ter publicado outros romances entretanto.
Após ter abandonado este livro, ainda novo, alguma vez pensou que um dia iria voltar a ele?
Não tinha planos de ser escritor. Deixei a escola sem qualificações. Não tinha ideia do que queria fazer. Ingenuamente, pensei que o futuro iria encontrar-me. Com 19 anos, fui assaltado e esfaqueado. Abordaram-me para pedir emprestado o telemóvel e de seguida, como ofereci resistência, atacaram-me. Pior ainda do que as cicatrizes com que fiquei, foram os traumas psicológicos, para os quais não estava preparado. Mas foi através desses traumas que descobri a escrita, após ter encontrado um livro na biblioteca que falava sobre a importância de contarmos um episódio marcante da vida, alterando o nome das pessoas envolvidas. Foi nessa altura que escrevi sobre Duchess, a protagonista de “O fim é o princípio”.
É por isso que a identificação que tem com ela é tão forte?
Projetei nela os meus sentimentos, mas com traços opostos. O escapismo e essa projeção ajudaram-me muito. Tive tendências suicidas por mais do que uma vez e foi a escrita que me salvou a vida.
As mensagens que recebe dos leitores a propósito de “O fim é o princípio” também se centram muito na personagem?
É muito raro alguém me contactar a propósito do livro e não fazer uma referência a Duchess. Talvez as pessoas vejam nesta personagem alguns dos seus traços. Não quero que gostem da Duchess à força, até porque ela por vezes é rude e diz palavrões. Só pretendo que sintam empatia por ela.
O impacto da Duchess em tanta gente terá que ver com os seus traços autobiográficos, ou seja, não ser o simples produto da imaginação do autor?
É difícil dizer. Sei que, quando terminei o livro, não havia mais nada que pudesse fazer. Estava esgotado e não conseguia trabalhar mais. Coloquei no livro tudo o que estava dentro de mim e fico contente que isso tenha encontrado eco nos leitores. Sinto-me muito grato, porque existem livros fabulosos que por qualquer razão não tiveram muitos leitores. Há um fator sorte que é muito importante.
Como está a lidar com o reconhecimento dos leitores?
Tem sido estranho. Toda a vida lidei com a falta de dinheiro. Cheguei a ter três empregos em simultâneo e quase não via os meus filhos. Agora posso escrever a tempo inteiro, mas estou ainda ajustar-me à situação.
“Nunca tive planos de ser escritor. Deixei a escola sem qualquer tipo de qualificações”
No fim de contas, continua a ser sempre um escritor diante da página em branco.
Ao cabo de quatro livros, pensei que o processo se tornasse mais simples, mas não. Quanto mais pessoas esperam pelo que escrevo, maior é também a expectativa. Estou a trabalhar como nunca. E a saborear mais a escrita, também.
“Toda a minha vida lidei com a falta de dinheiro. Cheguei a ter três empregos em simultâneo”