Bem mais do que um retângulo de papel
A história da música ao vivo em Portugal a partir de uma recolha de bilhetes de concertos
De todas as formas de colecionismo existentes, a de bilhetes de concertos está longe de ser a mais bizarra (pelo menos, se compararmos com as coleções de pacotes de açúcar, cédulas ou cartões telefónicos...).
Querer preservar uma memória física de um momento tantas vezes emotivo é, mais do que compreensível, algo até perfeitamente desejável.
Face à maioria das coleções existentes, a recolha de bilhetes de espetáculos apresenta ainda essa inestimável vantagem de ser um retrato simplificado de uma época infinitamente mais complexa.
Através de um simples retângulo de papel – que, pela poderosa evocação simbólica que convoca, é sempre mais do que um mero retângulo de papel – podemos identificar um conjunto de mudanças através dos tempos. Da evolução gráfica (ou regressão, nalguns casos) à carestia de vida, passando até pelas transformações fisionómicas dos artistas, são muitos os vetores passíveis de análise.
Todos esses atributos saltam à vista no livro “Eu estive lá!”.
Com coordenação do radialista Henrique Amaro e textos
Livro cobre um período de tempo que vai da década de 1960 até aos nossos dias
de Luís Pinheiro de Almeida, Ana Cristina Ferrão, Pedro Fradique e Isilda Sanches, além das contribuições de mais de meia centena de melómanos, o livro possibilita uma curiosa viagem temporal através da qual o leitor reconstitui o seu próprio itinerário musical, ao verificar, com um misto de saudade e orgulho, que também esteve presente em muitos dos espetáculos. E juntamente com essa descoberta surgem as inescapáveis histórias, a maioria há muito esquecidas, que ajudam a reforçar o vínculo do leitor com o livro que tem em mãos.
Muitos dos bilhetes incluídos nesta galeria são preciosos documentos históricos. De que outra forma podemos referir a passagem dos Ramones pelo Pavilhão Dramático de Cascais, em 1980, o raríssimo concerto de João Gilberto no Coliseu dos Recreios, corria o ano de 1984, ou o derradeiro concerto dos Nirvana, também no “Dramático”, poucas semanas antes do inesperado suicídio de Kurt Cobain, em 1994.
Além da dimensão histórico-musical, o livro ajuda-nos a perceber a alteração radical sofrida pelo segmento dos espetáculos. Da carolice dominante nos primeiros tempos ao segmento estratégico para a economia nacional, com um peso significativo no turismo, passaram apenas algumas décadas, embora por vezes pareça que tenham decorrido séculos.
“Eu estive lá!”
Henrique Amaro (coordenação) Tinta da China