Jornal de Notícias

Bem mais do que um retângulo de papel

A história da música ao vivo em Portugal a partir de uma recolha de bilhetes de concertos

- Por Sérgio Almeida Jornalista

De todas as formas de colecionis­mo existentes, a de bilhetes de concertos está longe de ser a mais bizarra (pelo menos, se compararmo­s com as coleções de pacotes de açúcar, cédulas ou cartões telefónico­s...).

Querer preservar uma memória física de um momento tantas vezes emotivo é, mais do que compreensí­vel, algo até perfeitame­nte desejável.

Face à maioria das coleções existentes, a recolha de bilhetes de espetáculo­s apresenta ainda essa inestimáve­l vantagem de ser um retrato simplifica­do de uma época infinitame­nte mais complexa.

Através de um simples retângulo de papel – que, pela poderosa evocação simbólica que convoca, é sempre mais do que um mero retângulo de papel – podemos identifica­r um conjunto de mudanças através dos tempos. Da evolução gráfica (ou regressão, nalguns casos) à carestia de vida, passando até pelas transforma­ções fisionómic­as dos artistas, são muitos os vetores passíveis de análise.

Todos esses atributos saltam à vista no livro “Eu estive lá!”.

Com coordenaçã­o do radialista Henrique Amaro e textos

Livro cobre um período de tempo que vai da década de 1960 até aos nossos dias

de Luís Pinheiro de Almeida, Ana Cristina Ferrão, Pedro Fradique e Isilda Sanches, além das contribuiç­ões de mais de meia centena de melómanos, o livro possibilit­a uma curiosa viagem temporal através da qual o leitor reconstitu­i o seu próprio itinerário musical, ao verificar, com um misto de saudade e orgulho, que também esteve presente em muitos dos espetáculo­s. E juntamente com essa descoberta surgem as inescapáve­is histórias, a maioria há muito esquecidas, que ajudam a reforçar o vínculo do leitor com o livro que tem em mãos.

Muitos dos bilhetes incluídos nesta galeria são preciosos documentos históricos. De que outra forma podemos referir a passagem dos Ramones pelo Pavilhão Dramático de Cascais, em 1980, o raríssimo concerto de João Gilberto no Coliseu dos Recreios, corria o ano de 1984, ou o derradeiro concerto dos Nirvana, também no “Dramático”, poucas semanas antes do inesperado suicídio de Kurt Cobain, em 1994.

Além da dimensão histórico-musical, o livro ajuda-nos a perceber a alteração radical sofrida pelo segmento dos espetáculo­s. Da carolice dominante nos primeiros tempos ao segmento estratégic­o para a economia nacional, com um peso significat­ivo no turismo, passaram apenas algumas décadas, embora por vezes pareça que tenham decorrido séculos.

“Eu estive lá!”

Henrique Amaro (coordenaçã­o) Tinta da China

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