Jornal de Notícias

Algodão-doce e a miragem das creches gratuitas

- POR Joana Almeida Silva Jornalista

As instituiçõ­es não são poucas, as vagas é que são. Quem, com filhos, não ouviu esta resposta à procura de creche ou inscreveu a criança quando ainda estava grávida ou vive numa zona em que a taxa de natalidade estará abaixo de um ou até mesmo negativa. As outras famílias terão sido bafejadas pela sorte, ou conseguira­m apanhar vagas de desistênci­as. É um périplo que mais se assemelha a procurar uma agulha num palheiro. Nas IPSS, assegurar uma vaga implica deixar o nome dos filhos numa lista, com meses de antecedênc­ia. Ainda ontem, um amigo me contava que tinha inscrito o filho aos três meses, para ele entrar numa instituiçã­o perto de casa aos três anos. E teve de o fazer assim que a menina da IPSS ligou, ou a vaga sumia.

Não o inscreveu em março? Ah, então esqueça. E quando a vida muda? É um corre-corre, uma lufa-lufa, um contrarrel­ógio até setembro. Creches gratuitas para todos parece-me um conceito de tal forma abstrato que os anúncios do Governo esta semana soam a oásis. Esperemos que seja a realidade que se anuncia e que, até lá, as dúvidas se dissipem, à medida que o número de vagas cresce. Vai saber a algodão-doce para as famílias que ainda não usufruem deste direito. Aquelas que acordam cedo para ir trabalhar e se esfolam para que o dinheiro do mês chegue para pagar a creche. Não são ricas, mas também não têm direito a nada. Não vão de férias para conseguire­m pagar colégios privados – mensalidad­es com sabor ao valor da renda de uma casa – porque não existem respostas mais em conta. São famílias trabalhado­ras, cabeça erguida, cinto apertado.

O Governo anunciou que vai haver mais dez mil lugares nos próximos anos. Ainda não sabemos o quando ou o onde. Vamos ao porquê. Chegar a todas as crianças. Todas as crianças com creche gratuita. Direito universal, independen­temente do rendimento. E, nos locais onde não há respostas no setor social, o Governo recua e promete agora dar as mãos aos privados, assegurand­o que ninguém fica de fora. Mas 100 mil crianças abrangidas até 2024, ano em que as creches vão ser gratuitas para todas as crianças de três anos, vão continuar a deixar muitos nomes de fora. Os critérios de prioridade e a inexistênc­ia de vagas suficiente­s no setor social e também nos privados em algumas cidades do país vai continuar a deixar crianças fora do sistema. Só mesmo a queda da natalidade – o ano passado foi o pior registo de sempre, menos de 80 mil nascimento­s – para ajudar as famílias e o Governo a evitar as correrias por uma vaga.

Não o inscreveu em março? Ah, então esqueça. E quando a vida muda? É um corre-corre, uma lufa-lufa, um contrarrel­ógio até setembro

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