Algodão-doce e a miragem das creches gratuitas
As instituições não são poucas, as vagas é que são. Quem, com filhos, não ouviu esta resposta à procura de creche ou inscreveu a criança quando ainda estava grávida ou vive numa zona em que a taxa de natalidade estará abaixo de um ou até mesmo negativa. As outras famílias terão sido bafejadas pela sorte, ou conseguiram apanhar vagas de desistências. É um périplo que mais se assemelha a procurar uma agulha num palheiro. Nas IPSS, assegurar uma vaga implica deixar o nome dos filhos numa lista, com meses de antecedência. Ainda ontem, um amigo me contava que tinha inscrito o filho aos três meses, para ele entrar numa instituição perto de casa aos três anos. E teve de o fazer assim que a menina da IPSS ligou, ou a vaga sumia.
Não o inscreveu em março? Ah, então esqueça. E quando a vida muda? É um corre-corre, uma lufa-lufa, um contrarrelógio até setembro. Creches gratuitas para todos parece-me um conceito de tal forma abstrato que os anúncios do Governo esta semana soam a oásis. Esperemos que seja a realidade que se anuncia e que, até lá, as dúvidas se dissipem, à medida que o número de vagas cresce. Vai saber a algodão-doce para as famílias que ainda não usufruem deste direito. Aquelas que acordam cedo para ir trabalhar e se esfolam para que o dinheiro do mês chegue para pagar a creche. Não são ricas, mas também não têm direito a nada. Não vão de férias para conseguirem pagar colégios privados – mensalidades com sabor ao valor da renda de uma casa – porque não existem respostas mais em conta. São famílias trabalhadoras, cabeça erguida, cinto apertado.
O Governo anunciou que vai haver mais dez mil lugares nos próximos anos. Ainda não sabemos o quando ou o onde. Vamos ao porquê. Chegar a todas as crianças. Todas as crianças com creche gratuita. Direito universal, independentemente do rendimento. E, nos locais onde não há respostas no setor social, o Governo recua e promete agora dar as mãos aos privados, assegurando que ninguém fica de fora. Mas 100 mil crianças abrangidas até 2024, ano em que as creches vão ser gratuitas para todas as crianças de três anos, vão continuar a deixar muitos nomes de fora. Os critérios de prioridade e a inexistência de vagas suficientes no setor social e também nos privados em algumas cidades do país vai continuar a deixar crianças fora do sistema. Só mesmo a queda da natalidade – o ano passado foi o pior registo de sempre, menos de 80 mil nascimentos – para ajudar as famílias e o Governo a evitar as correrias por uma vaga.
Não o inscreveu em março? Ah, então esqueça. E quando a vida muda? É um corre-corre, uma lufa-lufa, um contrarrelógio até setembro