Há amor e procura pela ópera em Portugal, mas não há oferta
“Preconceito e desconhecimento ainda vigoram neste género musical”, diz ao JN a soprano Catarina Molder. Artista criou o Operafest, festival de ópera independente, com 13 espetáculos, e quer chegar a 7500 pessoas
MÚSICA Há gosto pela ópera em Portugal, há quem a queira seguir, assistir, procurar – mas muitas vezes não a encontra. A convicção é de Catarina Molder, soprano portuguesa com décadas de carreira e a confessa “culpada” pelo Operafest. O festival, nascido na pandemia, pretende precisamente colmatar essa ausência de um mercado para os que já apreciam ópera e os que poderiam vir a apreciar – mas, em ambos os casos, raramente têm oportunidades de a desfrutar.
De 19 de agosto a 10 de setembro, o Jardim do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, recebe a 3.ª edição do Operafest, este ano com o tema “Destino em vertigem”, e novamente o conceito de levar ópera a novos públicos. Na prática são dezenas de iniciativas, para todas as idades, num evento nascido em pleno surto de covid-19 e que por isso propõe também, com humor, o regresso da “máscara” ao mundo do fantasia – arrancando e terminando a sua programação com bailes de máscaras.
AMBIÇÃO MUITO SONHADA
A ideia surgiu de Catarina Molder, que explica agora ao JN como esta é a materialização de um projeto seu, “há muito sonhado e lutado”, que pretende aliar várias necessidades.
Por um lado, a falta de oferta operática a nível nacional e em Lisboa, “a capital europeia que menos ópera apresenta”, salienta. Por outro, o período de agosto em que os teatros estão fechados. E, finalmente, a ambição de “colocar Lisboa e Portugal na rota dos festivais internacionais de ópera”, com um evento “fora da caixa que marca a diferença pela variedade de programação e de públicos”.
O festival esteve “cinco anos em gestação”, antes da soprano decidir arriscar, no verão de 2020, levando-o para a frente do Jardim do Museu de Arte Antiga (“se não fosse o Museu, o Operafest não existia”, diz). Mesmo com restrições, os primeiros dois festivais foram um sucesso, com um dinamismo inédito em Portugal e críticas positivas no mercado internacional.
RAVES, BAILES, CONCURSOS
Os destaques são muitos: há raves operáticas, estreias nacionais, há um concurso, o único português, de ópera contemporânea, há os tais bailados mascarados e ofertas para crianças.
O festival “arranca com ‘Um baile de máscaras’, de Verdi, e termina com uma rave operática, passando pela estreia nacional da ópera ‘Labirinto’, de Gian-Carlo Menotti”, explica a artista. E tem ainda a ópera breve ‘Uma partida de Bridge’, o famoso ‘Adagio’, de Samuel Barber, ou ‘O homem dos sonhos’. Vai trazer, ainda os mais novos à ópera, com ‘Jeremias Fisher’, apostando em talentos emergentes com o concurso Maratona Ópera XXI, Ópera Express para Novos Encenadores e ainda em novas criações, com a estreia da peça ‘Minotauro’, de João Ricardo. Termina “em grande com nova rave operática em modo de em baile de máscaras”, avisa Catarina Molder.
Este é um festival de ópera independente, com um cartaz abrangente que “aposta no cruzamento da tradição e vanguarda, no talento nacional e em novos compositores, novas óperas e intérpretes para chegar a todos os públicos e trazer a ópera para perto do público e do mundo de hoje”, diz.
Entre 13 espetáculos, espera chegar a 7500 pessoas. Até porque interesse há, mas oferta nem tanto: “Grande parte do público gosta de ópera, tem é poucas oportunidades para a fruir e o mercado de ópera internacional, de forma geral, é ultra tradicionalista, vivendo quase só do passado, a produção contemporânea é muito reduzida”, frisa a artista.
O mercado nacional é quase inexistente: “Assistimos a uma procura que não é satisfeita na maior dos teatros portugueses, porque por um lado o preconceito e desconhecimento ainda vigoram”, além da falta de condições e investimento. Tudo tendências que o novo evento pretende contrariar.