Desempregados sem subsídio estão a perder tarifa social
Definição de cliente economicamente vulnerável está a deixar de fora pessoas sem rendimentos. Provedora de Justiça já alertou para o problema. Governo não prevê revisão da lei
A atribuição da tarifa social de eletricidade ou gás não está a ser justa, alertou a provedora de Justiça numa recomendação enviada ao secretário de Estado Adjunto da Energia. Os desempregados, por exemplo, só beneficiam enquanto receberem subsídio, podendo ficar sem desconto na fatura da eletricidade e/ou do gás quando perdem todo o sustento. Há ainda problemas relacionados com o sistema de informação automático e que originam queixas devido à demora na atribuição da tarifa ou a cessação injustificada. Ao JN, fonte do Ministério do Ambiente e Ação Climática, que tutela o dossiê, explicou que, apesar do alerta da provedora, “não estão previstas alterações à legislação”. O Ministério do Trabalho e Segurança Social (MTSS) recusou comentar o impacto das injustiças da tarifa social na atribuição de apoios sociais, como o que já foi pago duas vezes, este ano, para ajuda ao aumento dos preços dos bens essenciais.
“A Provedoria de Justiça concluiu, no decurso da análise de uma queixa, que dois agregados familiares, compostos pelo mesmo número de elementos e com o mesmo rendimento total, poderiam ter injustificado tratamento distinto: apenas beneficiaria da tarifa social de fornecimento de energia elétrica o agregado familiar em que um dos seus membros não auferisse quaisquer rendimentos”, explicou, ao JN, fonte do organismo liderado por Maria Lúcia Amaral. Além disso, acrescentou a mesma fonte, “apesar de o Orçamento do Estado para 2020 ter previsto o alargamento das condições de acesso à tarifa social da energia elétrica e do gás natural a todas as situações de desemprego – a nova redação do regime do benefício da tarifa social da energia elétrica apenas considera clientes finais economicamente vulneráveis os beneficiários de prestações de desemprego”.
PROBLEMAS NO SISTEMA
A provedora de Justiça alertou ainda que há problemas com o sistema automático que deveria cruzar dados entre os sistemas da Segurança Social, das Finanças e da Direção-Geral da Energia e Geologia (DGEG). A situação tem gerado queixas sobre as dificuldades na atribuição do benefício, “seja por indeferimento do pedido, por demora na atribuição do benefício, ou mesmo por cessação injustificada da sua aplicação”.
“Uma vez que esta demora é particularmente grave porque os beneficiários da tarifa social – que são totalmente alheios aos erros de cruzamento de informação que originaram os problemas – são clientes economicamente vulneráveis, que efetivamente carecem do desconto, chamou-se a atenção para a urgência da concretização da funcionalidade e da atribuição retroativa do benefício aos interessados”, considerou a Provedoria, no relatório, entregue no Parlamento.
Em 2020 e no ano passado, a provedora já dirigiu chamadas de atenção à DGEG e ao secretário de Estado Adjunto e da Energia. Contudo, nada foi alterado e, segundo fonte do gabinete de João Galamba, “não estão previstas alterações à legislação”. “As prestações de desemprego no âmbito da tarifa social foram introduzidas a 27/11/2020”, defendeu a mesma fonte, recordando que, até então, só era válido o “subsídio social de desemprego”. Acrescentou, ainda, que o cliente pode beneficiar da tarifa, “se o rendimento total anual do seu agregado familiar for igual ou inferior a 5808 euros, acrescido de 50% por cada elemento do agregado familiar, incluindo o próprio (até ao máximo de dez), que não tenha qualquer rendimento”.
DUPLA PENALIZAÇÃO
Mas o sistema continua com problemas, como ilustra o caso de Gaspar [ler ao lado], que, com abono de família e com rendimentos abaixo dos mencionados, já viu a tarifa social ser-lhe retirada, sem justificação, por duas vezes.
Por não beneficiar da tarifa social, de forma injustificada, a família de Gaspar também não usufruiu do apoio extraordinário às famílias mais vulneráveis, pago em abril e em julho deste ano. Contudo, o MTSS declinou comentar essa dupla injustiça contra as famílias vulneráveis que, por mau funcionamento do sistema, não só não estão a pagar menos pela eletricidade ou gás, como também foram excluídas do apoio de 60 euros.