Regressar a Coura 1094 dias depois
Cartaz rock com Turnstile, Ty Segall, Idles, Viagra Boys e Pixies é dos melhores do ano Brigada fina de francófonos em destaque: The Blaze, L’Eclair, La Femme e L’Impératrice João Carvalho repete palavras “amor” e “ternura” e diz: “Vai ser o mais bonito
Cheios de disponibilidade e desejo, olhamos para trás, agora finalmente desimpedidos das febres virais, e parece que a última vez foi noutra vida, há mil anos ou mais. Não foi, foi só há mil dias – rigorosamente mais uns: 1094 dias, três eternidades desde que em agosto de 2019 pisamos pela última vez a encosta gramada do Festival Vodafone Paredes de Coura. Três anos de pandemia depois, o festival começa hoje e temos uma só disposição: pulsar, entrar a correr, em estado exaltado, o coração aberto como se fôssemos flores ao sol.
ROCK: MOTOR DE TIGRES
É diferente dos outros, Coura; nos outros entra-se e sai-se e pelo meio mantemos a rotina. Como Coura é campestre e nos isola na montanha, não entramos, internamo-nos – e ficamos lá cinco dias para sempre. Irrestrito, sem igual, Coura é um estado de espírito total.
Com toda a felicidade e respeito pelo seu espírito precursor, o género fundador do festival que para o ano faz 30 anos ocupa todo o horário nobre noturno: rock e mais rock. Ainda bem.
As melhores máquinas de acelerar são: Idles (punk rock brutalista de Bristol), Turnstile (hardcore melódico de Baltimore), Ty Segall (psicadelismo da Califórnia com vertigens), Parquet Courts (art punk nova-iorquino), The Murder Capital, a banda de post punk irlandês) que substitui amanhã os cancelados King Gizzard, Viagra Boys (cowpunk de Estocolmo).
Por fim e por demais importante, Pixies, cânone indie rock com 35 anos (sim, “Come on pilgrin”, disco de estreia, é de 1987, e é dos melhores, como os dois imediatos, de 88 e 89, “Surfer Rosa” e “Doolittle”), que são uma máquina exemplar no acelera, retarda e torna a apressar. Aqui, o rock – e o hip hop apunkalhado de Slowthai ou o electro rock de Yves Tumor, um vulcão delicado – é um motor de um carro com tigres. Mais do que garantido, o mosh, a dança ciclónica dos espectadores dinâmicos da frente, será irrecusável.
“O cartaz deste ano, um dos mais enérgicos de sempre, é provavelmente aquele que mais me chama para a frente do palco”, diz João Carvalho, promotor e personalidade unânime de Coura.
Feliz com a “perspetiva da melhor afluência de sempre”, o festival onde 16 mil pessoas acampam conta ter 23 mil pessoas por dia, 115 mil nos cinco dias, e está “praticamente esgotado”.
Mas a palavra-chave no coração de João é outra: é amor. “É tudo isso, carinho, cuidado, ternura, é mesmo amor aquilo que temos aqui para dar.” E: “E é bem preciso, depois destes anos horríveis de paragem de concertos e pandemia, estamos a injetar no festival ainda um bocadinho mais de ternura. É esse o nosso melhor espólio: temos o público mais bonito de todos”.
Mas o festival indie-rock-chic é mais. Este ano há uma curiosa patine francófona que lhe confere um caráter de compostos complexos e delicados. São bandas de verniz vistoso: The Blaze (house sulfuroso), L’Impératrice (sexteto electro pop e nu-disco), La Femme (pop yé-yé de nova vaga) ou L’Eclair (septeto de groove suíço muito metalizado).
O OVNI PRINCESS NOKIA
O cartaz tem blocos conexos: os aperitivos às 18 horas (Sylvie Kreusch tem um single infeccioso, “Please to devon”), o fim de tarde dos “mágicos cansaços” (Alex G, folktrónica; Arlo Parks, neo-R&B; Bad Bad Not Good, nu-jazz; Indigo de Souza, pop hi-fi), os concertos de fecho e conciliação com a exemplaridade do dream pop Beach House.
Sobra, antes do afterhours e das deflagrações dançáveis de John Talabot, Haai ou Ata Kak, e do imenso batalhão de 20 bandas portuguesas que cobre hoje todo o cartaz das 14 às 4 horas da manhã, um OVNI: Princess Nokia e o seu novíssimo emo-rap que hipnotiza. Aguentará tanto, o coração?