Nem médicos, nem professores
Vem aí mais um desafio para o Governo e para as contas públicas: a negociação dos aumentos salariais na Função Pública. O primeiro-ministro aponta a um aumento de 2%, apesar de reconhecer que a inflação será de 7,4%. Adivinham-se tempos política e socialmente agitados. Nenhum trabalhador quer empobrecer, ainda menos quando o ponto de partida salarial já é mau. Acresce que os funcionários públicos são os únicos que mantêm capacidade de reivindicação e de luta. Com destaque para setores como a Educação e a Saúde, serviços públicos essenciais em que os governos são mais sensíveis à pressão. Legítima. Vejamos dois exemplos das notícias dos últimos dias.
Na mesma entrevista (à TVI) em que apontou para o aumento de 2%, António Costa foi confrontado com o salário de dois médicos, pai e filha, que trabalham no SNS. Ela é interna do primeiro ano e leva para casa 1425 euros líquidos. Com muita boa vontade ainda se poderia dizer que, para primeiro salário, não está mal. O problema é quando ficamos a saber que o pai, especialista com três décadas de serviço público, só leva para casa mais 336 euros que a filha. Já não há boa vontade, só sobra vergonha.
Na edição de ontem do JN ficámos a saber que um professor do quadro que esteja no primeiro escalão (e a maioria só lá chega depois de muitos anos de precariedade e milhares de quilómetros percorridos) tem um salário de 1500 euros, ou seja, leva para casa 1077 euros (se for solteiro e sem filhos). É bastante mau. Mas fica pior. A solução de emergência que o Governo encontrou, a contratação de licenciados sem formação pedagógica, implica, para um horário completo, um salário líquido de 869 euros.
É verdade que preservar as contas públicas é essencial; que não se pode dar tudo a toda a gente; e que a segurança laboral na Função Pública também vale alguma coisa (não há despedimentos coletivos nem falências). Mas não é menos verdadeiro que com salários baixos não se resolverá nunca o problema das urgências sem médicos e das salas de aulas sem professores. Os mais jovens e mais qualificados, os nossos futuros médicos e professores (tal como os engenheiros, enfermeiros ou operários especializados), continuarão a emigrar. Basta que percebam a relativa pobreza que os espera por aqui.