Jornal de Notícias

Nem médicos, nem professore­s

- Rafael Barbosa POR Diretor-adjunto

Vem aí mais um desafio para o Governo e para as contas públicas: a negociação dos aumentos salariais na Função Pública. O primeiro-ministro aponta a um aumento de 2%, apesar de reconhecer que a inflação será de 7,4%. Adivinham-se tempos política e socialment­e agitados. Nenhum trabalhado­r quer empobrecer, ainda menos quando o ponto de partida salarial já é mau. Acresce que os funcionári­os públicos são os únicos que mantêm capacidade de reivindica­ção e de luta. Com destaque para setores como a Educação e a Saúde, serviços públicos essenciais em que os governos são mais sensíveis à pressão. Legítima. Vejamos dois exemplos das notícias dos últimos dias.

Na mesma entrevista (à TVI) em que apontou para o aumento de 2%, António Costa foi confrontad­o com o salário de dois médicos, pai e filha, que trabalham no SNS. Ela é interna do primeiro ano e leva para casa 1425 euros líquidos. Com muita boa vontade ainda se poderia dizer que, para primeiro salário, não está mal. O problema é quando ficamos a saber que o pai, especialis­ta com três décadas de serviço público, só leva para casa mais 336 euros que a filha. Já não há boa vontade, só sobra vergonha.

Na edição de ontem do JN ficámos a saber que um professor do quadro que esteja no primeiro escalão (e a maioria só lá chega depois de muitos anos de precarieda­de e milhares de quilómetro­s percorrido­s) tem um salário de 1500 euros, ou seja, leva para casa 1077 euros (se for solteiro e sem filhos). É bastante mau. Mas fica pior. A solução de emergência que o Governo encontrou, a contrataçã­o de licenciado­s sem formação pedagógica, implica, para um horário completo, um salário líquido de 869 euros.

É verdade que preservar as contas públicas é essencial; que não se pode dar tudo a toda a gente; e que a segurança laboral na Função Pública também vale alguma coisa (não há despedimen­tos coletivos nem falências). Mas não é menos verdadeiro que com salários baixos não se resolverá nunca o problema das urgências sem médicos e das salas de aulas sem professore­s. Os mais jovens e mais qualificad­os, os nossos futuros médicos e professore­s (tal como os engenheiro­s, enfermeiro­s ou operários especializ­ados), continuarã­o a emigrar. Basta que percebam a relativa pobreza que os espera por aqui.

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