A guerra vai lá atrás. “A rainha Isabel II aproximou-nos”
Reino Unido Irlandeses em Londres lembram atrocidades cometidas durante a guerra anglo-irlandesa, mas salvam a monarca
POR Rita Salcedas em Londres rita.salcedas@jn.pt
Um irlandês entra no bar. A seguir não vem uma anedota, até porque a hora não é de risota no London Irish Centre, a maior instituição de solidariedade irlandesa estabelecida no Reino Unido desde os anos 50, quando nasceu para prestar apoio aos imigrantes que vieram ajudar a reconstruir Londres depois da Segunda Guerra. Numa esquina da zona de Camden, popular refúgio de culturas alternativas no norte da capital, uma bandeira verde, branca e laranja, com três faixas verticais, erigida ao cimo de uma escada anuncia o ponto de encontro da comunidade irlandesa na cidade.
Por baixo dela, parados nos degraus, alguns jovens trocam impressões sobre o teste que acabam de fazer ali mesmo. Um exame de admissão ao curso de Medicina em Itália que, se a uns deu vontade de chorar, a Daniel abriu o apetite para uma “pint” no bar do centro, onde um jovem com uma t-shirt dos Beatles lê um livro sentado junto a um cartaz dos Dubliners pendurado na parede – como que, por acaso semiótico, a representar a aproximação anglo-irlandesa que à falecida monarca será devida.
“Acho que a rainha percebeu as divisões entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte e se aproximou da tristeza e das tragédias cometidas”, diz Daniel, irlandês de 19 anos, lembrando que Isabel II foi, também, a primeira monarca a visitar a República da Irlanda e a única representante do Reino Unido a apertar a mão a Martin McGuiness, antigo líder do IRA (exército republicano irlandês). “Na sua posição, podia ter-se tornado anti-irlandesa, mas foi altruísta e aproximou a Grã-Bretanha da Irlanda”.
Ao lado, a ouvir calada, Anugrah, 19 anos, nascida na Índia e a viver em Dublin (veio cá fazer o mesmo exame), deixa uma ressalva: “Respeito a rainha, mas não respeito a História da monarquia e a colonização de outros países, incluindo a Irlanda e a Índia. Vivi em ambos os sítios e, sabendo de todos os efeitos da colonização, a monarquia não é um conceito que me agrade”. Em geral, os irlandeses não são monárquicos nem apoiam a família real – a República da Irlanda, independente do Reino Unido, tem presidente eleito – mas, “num nível humano, as pessoas estão tristes” com a morte da rainha, diz Séamus MacCormaic, irlandês de sotaque britânico e presidente do London Irish Centre.
UM MARCO HISTÓRICO
“Uma coisa que veio mudar a perspetiva das pessoas foi a visita à Irlanda, em 2011. Houve uma mudança de paradigma e os irlandeses viram-na como pessoa e não como chefe de Estado. Reconhecem a contribuição que deu para construir pontes. Aproximou-nos, por isso entende-se a resposta à sua morte”, defende, falando em sentimentos mistos em relação à monarquia.
“Pessoas com menos de 35, 40 anos pensam de forma diferente do que pessoas com mais idade”, que têm mais presentes as consequências da guerra anglo-irlandesa, que causou mais de duas mil baixas, entre 1919 e 1921, com repercussões políticas, económicas e sociais que se prolongaram no tempo.