Um ótimo excedente é inimigo do bom
Recuemos a março de 2015. “Não é bom ninguém orgulhar-se de ter os cofres cheios”, dizia António Costa perante os baixos défices alcançados pelo Governo de Passos Coelho. Em outubro do ano passado, o primeiro-ministro socialista já anunciava aos quatro ventos que 2023 seria fechado com superávite, o que já tinha sido possível em 2019 com Mário Centeno a liderar o Ministério das Finanças. Ontem, as expectativas foram excedidas, tendo em conta os quase 3,2 mil milhões de euros sobrantes.
O montante em causa daria para pagar durante uma década o acréscimo de despesa resultante, por exemplo, da devolução integral do tempo de serviço aos professores. O único motivo que poderá levar Luís Montenegro a pensar duas vezes antes de corresponder aos anseios de várias classes profissionais é que qualquer aumento de rendimentos, por muito justo que seja, representará um acréscimo permanente da despesa para os anos seguintes.
Uma vez sentado na cadeira do poder, Montenegro rapidamente irá concluir que um Executivo minoritário precisa de apoio popular. O percurso até outubro, altura em que terá de apresentar o Orçamento do Estado para 2025, tem obstáculos de monta, a começar pela necessidade de decidir a localização do novo aeroporto e a acabar nas exigências de atualizações salariais no setor público. Não serão muitos meses, mas provavelmente vão parecer anos para aqueles que se sentam no Conselho de Ministros. No Parlamento, pode contar com uma acérrima contestação por parte dos 50 deputados do Chega. Será só ruído? Talvez. Tudo dependerá da efetiva postura do PS. Uma liderança da oposição firme e, simultaneamente, responsável significará um esvaziamento dos cantares populistas.
Em dezembro de 2014, meses após a saída da troika, Passos Coelho defendia a ideia de que não há Esquerda nem Direita quando está em causa a disciplina das contas públicas.