Autópsia a corpo anónimo revela um quilo de coca
Cadáver foi encontrado numa rua de Rio de Mouro, em Sintra, e ainda não foi identificado. PJ também deteve duas “mulas” de cartéis brasileiros
Um cadáver abandonado numa rua de Rio de Mouro, em Sintra, escondia mais de um quilograma de cocaína. As 83 “bolotas” de droga só foram descobertas durante a autópsia feita, na semana passada, a um homem que continua por identificar e que, suspeita a Polícia Judiciária (PJ), seria uma “mula” ao serviço de um grupo dedicado ao narcotráfico.
Outras duas “mulas” foram detidas, também na última semana, à chegada ao Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. Cada uma terá recebido cinco a dez mil dólares para transportar, no próprio organismo, quase três quilos de cocaína.
Eram 6.45 horas do dia 16 deste mês quando os Bombeiros de Mem Martins e a PSP foram alertados para um homem prostrado na Rua Urbano, nas imediações da Escola Básica Serra das Minas, em Rio de Mouro. Pouco depois, a viatura médica de emergência e reanimação também chegou ao local e a médica do INEM rapidamente declararia o óbito.
SEM IDENTIFICAÇÃO
Sem qualquer documento de identificação, e mesmo sem sinais de ter sido vítima de um crime, o cadáver foi encaminhado, por ordem do Ministério Público, para o Instituto Nacional de Medicina Legal e autopsiado quatro dias depois. E foi só durante este procedimento médico que foram descobertas 83 pequenas embalagens de cocaína, num total de 1,1 quilos, no intestino e estômago do morto.
O caso foi comunicado, de imediato, à PJ, que está a tentar identificar o cadáver. Os inspetores da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes
Qual o valor pago a uma “mula”?
As organizações criminosas pagam entre cinco e dez mil dólares (4600 e 9200 euros) aos correios humanos que aceitam viajar, de avião, entre o Brasil e Portugal. O preço varia em função da quantidade de cocaína ingerida, da origem do voo, da experiência da “mula” e da negociação entre esta e o grupo criminoso. Se a droga for traficada entre África e Portugal o preço baixa.
Como é que a cocaína é traficada?
Cada “bolota” de cocaína tem entre 10 e 12 gramas de cocaína. A droga é envolta numa cera coberta com papel celofane, cola e fita adesiva. O objetivo é que o invólucro se mantenha intacto dentro do organismo humano até, já no país de destino, ser evacuado juntamente com as fezes. Por estar no organismo do passageiro, a droga não é detetada pelos sistemas de segurança dos aeroportos.
Qual o perigo para o correio humano?
A cocaína traficada através deste método apresenta, quase sempre, uma elevada pureza. Por este motivo, basta que uma das “bolotas” rebente e o corpo absorva alguns gramas para que a “mula” morra. Há também o perigo dos ácidos existentes no estômago corroerem o material com que é feita a “bolota” e a cocaína entrar na corrente sanguínea. O perigo aumenta com o passar das horas em que as “bolotas” permanecem no organismo.
Quem são as “mulas” contratadas?
A Polícia Judiciária refere que, “pese embora os elevados riscos para a vida humana, as redes criminosas continuam a recrutar correios humanos, frequentemente jovens adultos em situação de grande carência económica e/ou emocional, para transportar quantidades significativas de droga no interior do organismo”. As “mulas” são aliciadas “com avultadas quantias monetárias e, ao mesmo tempo, com falsas informações quanto aos efetivos riscos que irão enfrentar, incluindo para a sua vida”. (UNCTE) estão, igualmente, a apurar como é que o corpo foi parar à Rua Urbano e ali ficou. Os indícios recolhidos até agora apontam para que o homem tenha sido contratado por uma organização criminosa para engolir as “bolotas” e viajar, de avião, até Portugal.
Uma vez chegado ao Aeroporto Humberto Delgado, a “mula” devia ter-se encontrado com um elemento da organização criminosa para evacuar e entregar a droga. Contudo, por circunstâncias não apuradas, tal não aconteceu e o correio humano morreu.
“Admite-se como possível causa de morte o rebentamento de, pelo menos, uma das cápsulas”, escreveu a PJ num comunicado.
CONFESSARAM TRÁFICO
No mesmo documento, emitido ontem, a PJ anunciou a detenção de outras duas “mulas”.
Ainda no Brasil, um dos detidos ingeriu 1,6 quilos de cocaína, na forma de “bolotas”, e outro engoliu 1,2 quilos. Em seguida, ambos embarcaram no mesmo avião com destino a Lisboa, mas, à chegada ao Aeroporto Humberto Delgado, foram sinalizados como passageiros de risco e, interrogados pela PJ, confessaram que escondiam droga no organismo.
Os raios-X realizados no hospital, onde os dois homens ficaram internados até evacuarem a droga, dissiparam todas as dúvidas.
“A droga apreendida pela UNCTE da PJ, no decorrer da semana passada, foi transportada no interior do organismo de dois cidadãos estrangeiros, posteriormente detidos e sujeitos à medida de coação de prisão preventiva”, descreve a PJ.
As duas “mulas” estavam ao serviço do mesmo cartel, que introduz cocaína na Europa usando Portugal como porta de entrada.