Abstenção dos EUA na ONU gera crise diplomática com Israel
Pela primeira vez, o Conselho de Segurança aprova resolução que pede cessar-fogo em Gaza. Telavive cancela visita a Washington e Casa Branca diz estar “desapontada” com decisão
Ao fim de quase seis meses de guerra na Faixa de Gaza, o Conselho de Segurança da ONU adotou ontem uma resolução que pede um cessar-fogo imediato no enclave durante o Ramadão, exigindo ainda a libertação de todos os reféns e a garantia de acesso a ajuda humanitária. O texto, que teve 14 votos a favor e uma abstenção dos EUA, adensa a tensão entre Washington e Telavive, que rapidamente decidiu cancelar a viagem de uma delegação israelita ao país aliado.
Apesar de os EUA terem justificado a abstenção com o facto de o pedido para adicionar uma condenação ao Hamas ter sido negado, Israel cumpriu a promessa de cancelar a deslocação de uma delegação ao país, que tinha o objetivo de discutir alternativas à operação terrestre em Rafah, no Sul da Faixa de Gaza. “Não vetaram o novo texto que pedia um cessar-fogo sem a condição de libertar os reféns. Este é um claro recuo da sua posição consistente no Conselho de Segurança desde o início da guerra”, referiu o gabinete do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, num comunicado divulgado minutos após a votação.
A mesma nota salienta que a abstenção “prejudica tanto os esforços de guerra quanto os esforços para libertar os reféns, porque dá ao Hamas a esperança de que a pressão internacional lhe permitirá aceitar um cessar-fogo sem ter que soltar” os prisioneiros.
Depois do cancelamento da viagem, o conselheiro de segurança da Casa Branca, John Kirby, disse que a instituição está “perplexa” e “muito desapontada” com a decisão tomada pelo Governo hebraico, descartando assim, a oportunidade dos dois lados discutirem “alternativas viáveis” à incursão israelita no Sul do território palestiniano, onde, atualmente, está mais de um milhão de civis.
Ainda assim, o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, mostrou-se confiante de que os EUA podem encontrar “outras formas” de alertar Israel para os perigos de uma operação em larga escala numa região com graves fragilidades humanas. A esperança de que haja uma melhoria nas relações diplomáticas reside agora num encontro que irá acontecer hoje no Pentágono e vai juntar o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, e o seu homólogo norte-americano, Lloyd Austin.
O Hamas, por sua vez, saudou a resolução e disse estar pronto para “uma troca imediata” de prisioneiros com Israel, aumentando as expectativas de um avanço nas negociações em curso em Doha, onde chefes de inteligência e outras autoridades dos EUA, Egito e Catar estão a tentar intermediar um acordo.
“ENTERRAR OS MÁRTIRES”
Num comunicado nas redes sociais, o movimento islâmico ressalvou a necessidade de ser firmada uma pausa nos confrontos que permita “enterrar os mártires que permanecem sob os escombros há vários meses” e para que a população carenciada tenha acesso a “necessidades humanitárias básicas”. Também a Autoridade Palestiniana congratulou a votação de ontem, já que todas as resoluções que pediam um cessar-fogo em Gaza tinham sido, até agora, vetadas na ONU.