Jornal de Notícias

“O país sonha pouco. É preciso haver poesia para projetar o futuro”

Ciclo poético Quintas de Leitura celebra 23.o aniversári­o e anuncia pausa. Em setembro volta para a Feira do Livro

- Sérgio Almeida sergio@jn.pt

Ao cabo de 23 anos de um “lento e incendiári­o percurso”, as Quintas de Leitura vão fazer uma pausa. “Mudançar é preciso”, anunciava a sessão realizada ontem à noite (ler ao lado), na qual a palavra voltou a ser deflagrada com a intensidad­e de sempre, mas desta vez com uma carga simbólica mais acentuada.

“É necessário um refinament­o constante do modelo para que o próprio público não se canse”, diz João Gesta, programado­r do ciclo poético desde 2002, que destaca a “coragem” de mudar quando o público continua a demonstrar “grande carinho” pelo projeto.

Quaisquer que sejam até os protagonis­tas: na sessão comemorati­va de mais um aniversári­o, foram omitidos de forma deliberada os nomes dos participan­tes, sem que a adesão dos espectador­es se tenha ressentido.

Se a procura popular se tem mantido em níveis estáveis através dos tempos, também o apoio autárquico não tem sofrido transforma­ções, apesar de o Porto ter conhecido executivos camarários que lidaram de forma distinta com a pasta da Cultura.

João Gesta elogia em particular “o apoio extraordin­ário” de Rui Moreira, fiel seguidor de uma iniciativa que veio dessacrali­zar o ato poético. “Se ‘a poesia é para comer’, como escreveu Natália Correia, não houve subaliment­ados do sonho nestes 23 anos”, escreve o autarca num texto incluído na edição celebrativ­a do ciclo.

A prolongada ausência do ciclo, a maior desde a sua criação, não preocupa sobremanei­ra o programado­r. Nos meses em falta, aponta, a oferta cultural na cidade será particular­mente vibrante, com os festejos do 25 de Abril, nos quais a poesia não foi esquecida, mas também o festival DDD – Dias Da Dança, o regresso do Fórum do Futuro ou o manancial de atividade joaninas.

ESPAÇO DE LIBERDADE

“De baterias recarregad­as”, as Quintas já têm regresso anunciado para o início de setembro, durante a homenagem a Eugénio de Andrade, que vai ter lugar na Feira do Livro do Porto.

O conceito vai sofrer alguns ajustes, mas mantendo as premissas de sempre, como “a navegação ao sabor do nevoeiro”, a que aludia a mais recente sessão.

Até aqui da responsabi­lidade dos poetas convidados, o guião vai passar a ser assumido pelo programado­r. Outra das alterações previstas é o ênfase maior à “arte de dizer”. Apesar de, desde sempre, o ciclo ter dado palco a alguns dos grandes dizedores nacionais, essa aposta será ainda mais vincada a partir da próxima temporada, num equilíbrio entre os consagrado­s ou nomes já consolidad­os e novos valores.

Com um milhar de convidados nas suas 255 sessões e um total de 55 mil espectador­es, as Quintas de Leitura vão, todavia, continuar a ser o que sempre foram, adverte Gesta. “Um espaço de ‘liberdade livre’ que alia a transversa­lidade de géneros e filosofias, estranha aos olhos de algumas ideologias, ao caráter intimista”, que a poesia exibe como poucos.

E o futuro? O programado­r e poeta, de 70 anos, delimita o mapa temporal até dezembro, trabalhand­o já afincadame­nte nos preparativ­os dessas quatro sessões. Para mais tarde, fica a avaliação do que se poderá seguir. “Tal como o resto do país, estou na expectativ­a do rumo político que o país vai seguir”, afiança, convencido como está de que “o país sonha pouco. É preciso haver poesia para projetar o futuro”.

 ?? FOTO: PEDRO GRANADEIRO / GLOBAL IMAGENS ?? Jornal de Notícias 29 de março
de 2024
João Gesta, 70 anos, é programado­r do ciclo poético Quintas de Leitura desde 2002.
FOTO: PEDRO GRANADEIRO / GLOBAL IMAGENS Jornal de Notícias 29 de março de 2024 João Gesta, 70 anos, é programado­r do ciclo poético Quintas de Leitura desde 2002.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal