Carta aberta da classe média
Sei que não estava à espera de ir a eleições tão cedo e a que vitória foi (demasiado) curta, mas a verdade é que ganhou as legislativas, foi indigitado e ontem investido. E, agora, numa era pós-bipartidarismo e sem o respaldo de uma maioria parlamentar, vai ter de governar à vista e negociar à direita e à esquerda, sem violar o princípio do “não é não”. Sei também que por estes dias deve estar bastante ocupado a fazer contactos para as secretarias de Estado e a afinar o programa do Governo. E não ignoro que tem importantes decisões para tomar, como avançar ou não com um orçamento retificativo, a localização do novo aeroporto e a substituição da procuradora-geral da República, e que em junho vai ter novo teste com as europeias. Mas, antes da grande prova de fogo que será o Orçamento de 2025, lá para o outono, atrevo-me a deixar-lhe três prioridades, não obrigatoriamente por esta ordem, do ponto de vista do cidadão comum deste país.
1. Paz social. Gerir expectativas não vai ser fácil. Nem com um excedente recorde é possível dar tudo a toda a gente ao mesmo tempo. Mas é fundamental pacificar setores fundamentais da nossa sociedade – como a saúde, a educação, as forças de segurança e a justiça –, satisfazer as justas reivindicações dos profissionais mas, também, e acima de tudo, dar condições para que cada um de nós volte a ter confiança no funcionamento das instituições. Precisamos de levar os nossos filhos à escola sabendo que eles vão ter aulas, ir ao centro de saúde ou hospital sem medo de não ter médico e ver polícias na rua a prevenir e reprimir a criminalidade e não em vigílias de protesto.
2. Alívio dos impostos para quem trabalha. Ninguém esquece que prometeu um choque fiscal e, como o alinhamento das forças não lhe vai conceder a tradicional lua de mel com o eleitorado, sugiro que comece por aí. Reduza as taxas de IRS, com enfoque na asfixiada classe média e nos jovens, para que tenham condições para construir vida cá. Não podemos continuar a ter salários miseráveis, custo de vida e carga fiscal de ricos.
3. Habitação. No programa eleitoral prometeu, entre outras medidas, apoio ao arrendamento e à aquisição de casa própria aos “filhos de Portugal” . A atual situação é catastrófica e potencialmente explosiva. Impõe-se olhar para o setor da habitação de forma global e disruptiva, aumentar a oferta pública e travar os aumentos.