Jornal de Notícias

Viva a Liberdade!

- POR Adalberto Dias de Carvalho ISCET-Instituto Superior de Ciências Empresaria­is e do Turismo/Obs. da Solidão

Partilho duas vivências do antigo regime, sobretudo junto dos mais novos:

No tempo da ditadura, pela voz de Manuel Alegre, a Rádio Portugal Livre apelava de Argel à participaç­ão nas manifestaç­ões clandestin­as do 1.o de Maio, a terem lugar, entre outros locais, na cidade do Porto, mais precisamen­te na Praça da Liberdade. Apelo que ouvíamos o mais baixo possível e, conforme recomendaç­ão que passava de boca em boca, com uma folha de prata em cima do aparelho de rádio, para evitar que a polícia política escutasse a transmissã­o sistematic­amente perturbada com interferên­cias intenciona­is. Às 15 horas desse dia, tão motivado quanto ingénuo, para lá fui sozinho, deparando-me com um conjunto de supostos manifestan­tes que se olhavam receosos, esperando um qualquer sinal. Sinal que à hora marcada irrompeu de uma das varandas próximas com o grito: “Viva a liberdade!”. Verificou-se de imediato que, se havia de facto manifestan­tes, havia também muitos agentes à paisana, os quais sacaram prontament­e dos cassetetes para, com violência, agredirem todos quantos pudessem. Eu, como muitos, fugi até parar em lugar supostamen­te seguro.

Que crime? Reivindica­r a liberdade...

Numa junta de freguesia: – Ó senhor doutor... doutor Zezinho, por favor, preciso de um papel de residência... Papel? Traga um de sua casa, que eu preciso de todos os que tenho aqui. Mas disseram-me para lhe pedir... Pedir é ao padre ali ao lado! Acha que ele me dá? Ó mulher, não me faça perder tempo, preencha este requerimen­to que é para um atestado, qual papel, qual quê! Mas eu não sei ler nem escrever e não sei se o que eu preciso é isso que está dizer... Ai não sabe? Então vá para casa e veja primeiro se percebe o que quer. Por favor, senhor doutor...

Esta troca de súplicas e de equívocos maldosos por parte do “doutor Zezinho” multiplica­va-se sistematic­amente, provocando a inseguranç­a de quem dele precisava e ocupando muito do tempo deste funcionári­o. Funcionári­o este diplomado como “doutor” pelo salazarism­o e, por isso, zeloso protagonis­ta do poder que a burocracia lhe dava.

Que comportame­nto indevido? Manifestar ser vítima de um analfabeti­smo reinante...

Importa não ver o poder desumano das ditaduras como uma mais-valia relativame­nte aos desafios das fragilidad­es humanas das democracia­s!

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